Colunas
Um convite
Há quem acredite que o homem criou Deus à sua imagem, semelhança, medos e necessidades
Vi na TV uma reportagem sobre o fazendeiro paulista que, além de cuidar de seus bois e vacas, dedica-se a fazer cirurgias espirituais nas muitas pessoas, algumas estrangeiras, que diariamente o procuram. Ele esclarece que, por seu intermédio, operam os muitos médicos que ele incorpora, e que se dedica a esse trabalho por orientação do espírito de Chico Xavier.
Embora sendo médium, e assim vastamente assessorado por profissionais do além-vida, nem por isso deixa de cuidar da própria vida com médicos aqui da terra mesmo, desses que têm CRM, escrevem receitas ilegíveis, prescrevem medicamentos e usam bisturi. Talvez tenha ouvido aquele ditado segundo o qual o advogado que defende a si mesmo tem um idiota por cliente e um incompetente por defensor. É provável que o mesmo se aplique a médicos e médiuns.
Muitos são os mistérios deste mundo, cada um acredita no que quiser ou puder, não vamos nós agora discutir por causa disso. Aliás, não vale a pena discutir por coisa alguma. Sábia era aquela senhora que, quando lhe comunicavam a morte de alguém, comentava: “Só existe uma pergunta. Agora ele sabe a resposta”. Sim, a morte nos dará a resposta definitiva e então não precisaremos acreditar em nada, porque saberemos tudo. Bem dizia Manoel Bandeira: “Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres”. E de as todas dúvidas, acrescento eu.
Sim, muitos são os mistérios deste mundo, e não deve ser diferente nos outros, se é que existem outros mundos. Tem gente que garante ter sido abduzido, visitado outros planetas e conversado com alienígenas. Em que idioma? É só ver filme americano de ficção científica para saber que os extraterrestres falam inglês. Há quem acredite que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, há quem acredite que o homem criou Deus à sua imagem, semelhança, medos e necessidades. Há quem não acredite nem nos homens nem em Deus, conseguindo ser, ao mesmo tempo, misantropo e ateu. Que Deus os perdoe!
Agora vocês perguntarão, com carradas de razão, se me permitem usar essa expressão de antigamente, a propósito de que estou ocupando as preciosas vistas dos leitores e os lindos olhos das leitoras com essa conversa fiada. Pois o que me fez pensar nesse assunto esotérico e sombrio foi uma pequena nota de jornal. Nela, uma senhora suficientemente falecida, convida para a missa de sétimo dia. De quem? Ora, dela mesma, se não, qual seria a graça?
Sabendo que vocês são uns incrédulos, vou transcrever a dita notinha, naturalmente trocando nomes e datas, que eu não gosto de confusão com ninguém, muito menos com quem já está “em outra”. Literalmente.
Então, leiam com atenção e vejam se não foi a própria D. Benzoína da Cruz, certamente para não dar trabalho aos parentes e amigos, que redigiu a seguinte nota:
D. Benzo[ina da Cruz
(Dona Zininha)
Dona Zininha agradece aos parentes e amigos pelo carinhoso atendimento que deles recebeu nos dias que antecederam o seu falecimento e convida a todos para a missa de sétimo dia, que será celebrada no próximo sábado, 22/03/2014, às 17h, na Igreja do Santo Milagroso, na Rua dos Desenganos, sem número.
Enfim, não são poucos os que creem que o fato de estar morto não impede ninguém de continuar cuidando de assuntos terrestres. Assim fez Dona Zininha, que talvez fosse semianalfabeta quando viva, mas, provando que a morte desfaz todos os erros, inclusive os gramaticais, expressou-se com toda a correção na nota que mandou publicar. É como disse Quincas Berro d’Água, personagem de Jorge Amado: Cada qual cuide de seu enterro, impossível não há.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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