Colunas
Evitando falar sobre carnaval
O desfile, justamente porque se movimenta, não se assemelha a um palácio. Parece, talvez, um mar que ondeia, sua e ruge
Desconfio que deveria falar sobre o Carnaval. Quem vai estar a fim de qualquer outra coisa, com o barulho dos tamborins vindo lá da rua? O problema é que sou pouco dado ao que antigamente se chamava, pedantemente, "tríduo momesco”, perífrase que deixou de ser usada quando o carnaval em todo o Brasil foi esticando, até ocupar cinco dias nos lugares mais recatados, como nossa cidade, e sete ou oito dias em terras mais farristas, como a Bahia de São Salvador, de onde, aliás, o São Salvador se retira discretamente durante a folia.
Sobre o Carnaval, o máximo que eu poderia escrever não passaria de uma paródia do poema de Carlos Drummond de Andrade chamado "Nova Friburgo”, que se limita a isso: "Esqueci um ramo de flores no bolso do sobretudo”. Não, o plágio seria do seguinte verso do Poeta de Itabira: "Eu queria escrever um poema sobre a Bahia, mas eu nunca fui lá”. Ou seja, nem em poesia, que admite todos os desvarios, a gente deve dar palpite sobre o que não conhece. Portanto, meu texto ficaria assim: "Eu queria escrever uma crônica sobre o Carnaval, mas nunca participei de um”. Não chego a dizer que diante de um desfile eu seja igual a um burro olhando para um palácio, porque eu, que me movimento, até posso ser comparado a um burro (e muita gente já terá feito essa comparação), mas o desfile, justamente porque se movimenta, não se assemelha a um palácio. Parece, talvez, um mar que ondeia, sua e ruge.
Também, quando digo que me movimento, não quero dizer com isso que eu seja capaz de cair na farra. Não sei se ainda se usa a expressão "pular o Carnaval”, mas desconfio que, se eu tentar tamanha loucura, na Quarta-Feira de Cinzas vou estar internado no Hospital Regional, porque já no primeiro pulo começarei a desmontar.
Isso me lembra de ter lido esta semana uma coisa extraordinária, relativa à Medicina. Um cirurgião, estando na Suécia, operou um doente que estava na Holanda, usando para isso um computador na sua mesa e um robô na sala de operação. E olha que foi uma operação no estômago ou ali por perto. As coisas hoje em dia se aperfeiçoam com tal velocidade que nem dá para acompanhar. Esta notícia mesmo, dita assim, deixa o ouvinte na dúvida: "Esse cara tá falando sério ou é piada?” Sim, porque parece mentira uma cirurgia em que há centenas de quilômetros entre o cortador e o cortado. Mas, pensando bem, não há nada de novo nesse procedimento, visto que aqui no Brasil não raro acontece o sujeito chegar a um Centro de Saúde, o nome do médico está na lista dos que estão de plantão, mas o médico propriamente não está ali. Saiu correndo "para atender a uma emergência”. Então, resta ao freguês dar-se por atendido a distância, e ir vivendo — ou morrendo, se melhor lhe convier — sem a contribuição médica mesmo.
E na hipótese remotíssima de algum médico ler esta coluna, hipótese de resto remotíssima em se tratando de qualquer categoria profissional, e mesmo em se tratando de pessoas sem profissão ou sem categoria, quero esclarecer que tenho grande respeito e admiração por quem cuida da saúde e da doença alheias e que desejo a todos os leitores, doutores em Medicina ou doutores em samba no pé, ou mesmo aos que como eu não são doutores em coisa nenhuma, um Carnaval muito alegre e muito tranquilo.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário