Colunas
A Zona e a Igreja
Para duas pessoas eu parava o carro e interrompia meu roteiro em busca de clientes para publicidade na rádio. A primeira era Dona Sofia, a dona da zona, e a outra era o Padre Rodrigues, da igreja do Chatô. Dona Sofia era uma negra bonita, com saia de seda pura justa no corpo, sapatos anabela e cabelos alisados. Com sua voz rouca dava sonoras gargalhadas balançando o colar de pérolas reluzentes.
— Entra aí, Dona Sofia, vamos dar uma volta!
— Você precisa aparecer, turquinho, tem uma lá que é a cara da Bete Davis. Vai lá e diz que você está comigo, o câmbio é menor.
— Mas eu tô duro, Dona Sofia!
— Não tem problema. Vai lá e diz que está comigo que fica tudo liberado. Procure a Bete Davis e vai ser o Tyrone Power.
Pronto. A zona virou meu baixo Hollywood. Tinha, com Dona Sofia, uma paixão em comum por Vicente Celestino. Ela colocava "O Ébrio” na vitrola e ficávamos num profundo silêncio curtindo o cantor. Ao encostar minha cabeça no seu ombro, os olhos lacrimejavam. Era a própria mãe negra acalentando o filho branco sonhador. Era multifacetada. Dona do bordel e mãe amorosa que cuidava dos filhos com rigor educacional, disciplina no trato social e notas boas na escola. Enfim, tudo como manda o figurino de uma mulher descolada e que a vida ensinou tudo.
Outro que me parava nas ruas era o Padre Rodrigues, do Chatô.
— Entra aí, padre, vamos dar umas voltas!
— Mais calma, filho, vejo que você está meio nervoso e isso não te leva a lugar nenhum!
— Mas, padre, ando cheio de pecado, meio confuso e com dificuldade de discernimento. Preciso de uma audiência exclusiva no Chatô.
— Amanhã às três, não atrase.
Ao subir o Chatô, o clima já era outro. Havia um silêncio de gente do bem.
— Senta aí, meu filho, fala!
— É que em criança, padre, fui um bom católico. Depois no modelo, também. Daí em diante, virei um católico não praticante, até na ladainha da matriz não ia mais. Sinto um vazio na alma. Ando com pouca fé e estou confuso padre, preciso de ajuda.
— Vem na missa das sete no domingo!
Um coral de padres me emocionava com um canto gregoriano e me sentia na capela Sistina, em Roma. Confessava, comungava e a hóstia me alimentava de fé. Me sentia mais leve, de bem com Deus, zerado nos pecados. Era uma criança católica que viveu uma dicotomia entre a Zona e a Igreja. Ideal para um publicitário viajar na criatividade.

Jorginho Abicalil
Recado de Jorginho Abicalil
Como era Friburgo antigamente? O que o tempo fez mudar? O que não mudou em nada? Essas e outras questões são abordadas, aos fins de semana, na coluna “Recado de Jorginho Abicalil”, onde o cronista relata a Nova Friburgo de outros carnavais.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário