Colunas
Armazém De Luca
Tem trechos da cidade que ficam guardados nos escaninhos mais recônditos da alma. É como "se essa rua fosse minha”. Morávamos em frente à estação, ao lado da Rua dos Arcos, com parede contígua ao Armazém De Luca. Este, uma figuraça, vivia sorrindo com um único objetivo na vida: fazer de cada conhecido um vascaíno roxo. Argumentava solenemente: "o Vasco foi o primeiro clube a receber os negros como profissionais do seu plantel; a Cruz de Malta é como um crucifixo a benzer a sua vida; a escalação do Vasco tem que ser rezada como um Pai-Nosso, cada jogador um santo querido...” E nada de rimas ricas, apenas seus nome ditos em tom de poesia livre. E era eu, meus irmãos Roberto e Elias e meu tio Antônio com as mãos entrelaçadas, repetindo: Barbosa, Augusto e Rafanelli, Ely, Danilo e Jorge, Tesourinha, Lelê, Ysaias, Jair e Chico. "Este santinho vocês devem carregar no bolso, abençoando todos os momentos que o Vasco for jogar. É uma reza profunda e sentimental, tem o seu valor nas vitórias do grande clube, e é também um consolo para as derrotas.” Nós ouvíamos com um semblante católico as profecias do mestre De Luca, que se tornaram regras seguidas por toda vida. Pra felicidade dele, nos tornamos todos vascaínos roxos. Seu pai, e dona Antônia, sua mãe, achavam o filho diferente, alegre, com ideias na cabeça que ninguém tinha iguais. Nos jogos do Vasco ele ficava na porta do armazém atrasando os passantes e inquirindo: "Vai ver hoje? Tem Vascão pra fazer a gente feliz!” Todos achavam engraçado a espontaneidade dele, fissurado no time de futebol e sabendo de cor treino, técnico, horário dos jogos e o valor do salário dos jogadores. Ficava louco quando um craque trocava o Vasco por outro time. "Veja você, saiu do céu pra entrar no inferno.” De Luca chegou a ser goleiro do Fluminense, mas nada que chegasse perto do amor pelo Vasco. Assim foi fazendo a cabeça da minha família e de quem mais atravessasse seu caminho. Até hoje quando o Vasco joga, o José Carlos Araújo diz: "Lá vai o Vascão do Jorginho Abicalil, o maior jinglista do Brasil.” Nesse momento disparo pra Alberto Braune, ao lado do Armazém De Luca, quando éramos adolescentes, inocentes, alegres e com uma vida inteira a dedicar a uma profissão que se avizinhava. João De Luca marcou nossas vidas como um homem simples, original e sonhador. Levava a sério a missão de disseminar a paixão pelo Vasco. Seu clube era um verdadeiro santuário. De Luca me fez um adolescente cheio de ilusões e sonhos. Até hoje, não há um dia em que não lembre disso. Salvem as paixões, o Vasco e De Luca, em todos os céus em que você estiver

Jorginho Abicalil
Recado de Jorginho Abicalil
Como era Friburgo antigamente? O que o tempo fez mudar? O que não mudou em nada? Essas e outras questões são abordadas, aos fins de semana, na coluna “Recado de Jorginho Abicalil”, onde o cronista relata a Nova Friburgo de outros carnavais.
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