Vinícius de Moraes - Poeta brasileiro

sábado, 13 de dezembro de 2014

"Ele queria um mundo preparado para o amor, livre de limitações, pressões, humilhações sociais e econômicas" Carlos Drummond de Andrade

Guimarães Rosa disse que as pessoas não morrem, ficam encantadas. Eu, por exemplo, me encantei no dia 9 de julho de 1980, mas meus versos ficaram, encantando tanta gente, no Brasil e no mundo. 

Advogado, nunca advoguei. Minha tribuna foram os livros e os discos. Crítico de cinema, nada critiquei. Já no ano de minha formatura publiquei “O caminho para a distância”. Estudei inglês e literatura na Universidade Oxford, em Londres, e trabalhei na BBC. Entrei para a carreira diplomática, fui vice-cônsul em Los Angeles, servi também em Paris, Roma e Montevidéu. Em 1968, eu insistia em cantar e ter esperança, e por isso fui aposentado compulsoriamente pela turma do mau humor que então mandava no Brasil. O ex-presidente Figueiredo disse que eu fui cassado "por vagabundagem".

"Enquanto o mar inaugura/ Um verde novinho em folha/ Argumentar com doçura/ Com uma cachaça de rolha/ E com o olhar esquecido/ No encontro de céu e mar/ Bem devagar ir sentindo/ A terra toda rodar"

“Garota de Ipanema”, que compus com meu amigo Tom Jobim, está entre as primeiras músicas mais executadas em todo o mundo. Fiquei sabendo  que essa música é tocada sem cessar -literalmente sem cessar -  porque quando  silencia  em um ponto do planeta, já está começando a ser ouvida em algum outro lugar. Isso me lembra de quando disseram ao Tom que só os Beatles eram mais tocados do que ele. Resposta do Tomzinho: "È, mais eles eram quatro!"

Fui registrado como Marcus Vinícius Mello de Moraes, depois apenas a Vinícius de Moraes, poeta e compositor, dramaturgo e diplomata, nascido no Rio de Janeiro em 1913, o branco mais negro da Bahia, a quem os amigos tratavam apenas por  “poetinha”. E isso é o que, na verdade, eu fui: poeta por toda a vida, em tudo na vida. 

"Poeta, poetinha vagabundo/ quem dera todo mundo/ fosse assim como você" (Toquinho)

Amei muitas mulheres e todos os meus amores foram infinitos enquanto duraram. Tanto que me casei nove vezes e tive cinco filhos. Para falar a verdade, fui mais fiel aos meus parceiros musicais: Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Francis Hyme, Carlos Lira, Chico Buarque, Antonio Carlos Jobim, Pixinguinha, Ari Barroso... a lista não tem fim! O resultado ficou na história da MPB: "Garota de Ipanema", "Gente Humilde", "Aquarela", "Arrastão", "A Rosa de Hiroshima", "Insensatez", "Eu Sei Que Vou Te Amar", “A felicidade”, "Marcha da Quarta-feira de Cinzas" e "Minha Namorada". 

"De tudo ao meu amor serei atento/ Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto/ Que mesmo em face do maior encanto/ Dele se espante mais meu pensamento"

“Rancho das Flores”, foi baseada em “Jesus, Alegria dos Homens”, de Johann Sebastian Bach. “Arrastão”, que compus com Edu Lobo, ganhou Primeiro Festival Nacional de Música Popular Brasileira, interpretada por Elis Regina. 

Toquinho! Grande parceiro e amigo. Juntos fizemos – dentre outros sucessos - "Aquarela", "A Casa", "As Cores de Abril", "Para Viver Um Grande Amor" e "Regra Três". 

O disco fundamental da Bossa Nova “Chega de Saudade”, gravado por Eliseth Cardoso, tinha, além da música-título, outras tantas composições minhas e do Tom. Sem falar na batida então inédita e desde então famosa do violão de João Gilberto. Nem sei quantos cantores e cantoras gravaram minhas músicas - dezenas? Centenas? 

Embora tenha escrito que "então a criançada toda chega/ E eu chego achar Herodes natural", fiz até disco para elas: a “Arca de Noé”, lançado em 1980 para o público infantil. 

"Era uma casa/ Muito engraçada/ Não tinha teto, não tinha nada/ Ninguém podia entrar nela não/ Porque na casa não tinha chão"

Escrevi a peça “Orfeu da Conceição”, que o diretor francês Michel Camus transformou no filme “Orfeu Negro”, para o qual compus também a trilha sonora. Esse filme recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes, o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e o Oscar de melhor filme estrangeiro. 

Minha poesia teve duas fases. A primeira é mística, muito marcada por sentimentos cristãos, mais lírica e erudita. Isso está sobretudo nos livros "O Caminho para a Distância" e "Forma e Exegese". Na segunda fase, voltei-me para o cotidiano, a presença feminina e o amor, como  em "Ariana, A Mulher" e em tantos outros poemas que compus. 

Ó minha amada/ Que os olhos teus/ Se Deus houvera/ Fizera-os Deus/ Pois não os fizera/ Quem não soubera/ Que há muitas eras/ Nos olhos teus...    

 

Por outro lado, não permaneci indiferente aos grandes temas sociais do meu tempo. "A Rosa de Hiroshima", e "O Operário em Construção" são alguns dos meus poemas de denúncia e solidariedade. 

"Não sabia, por exemplo/ Que a casa de um homem é um templo/ Um templo sem religião/ Como tampouco sabia/ Que a casa que fazia/ Sendo a sua liberdade/ Era a sua escravidão"

Pelo que me lembro, meus livros são mais de vinte. Alguns exemplos: ”Poemas, Sonetos e Baladas”, “Pátria Minha”, “Livro de Sonetos”, “Pobre Menina Rica”, “Para Uma Menina com uma Flor”, “Para Viver um Grande Amor”. 

Bem, isso é um pouco do que eu fui e do que eu fiz. Mas não preciso falar muito mais: minha poesia fala por mim. Minha poesia fala por todos os que amam, por todos que sonham, por todos que querem um mundo de mais paz e alegria. 

Por isso, minha poesia fala também por você. 

 

01/08/2013

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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