Qual o método usado na minha alfabetização?

terça-feira, 31 de março de 2015

Este artigo representa um desafio para qualquer professor de língua portuguesa, sobretudo aos alfabetizadores. Ao final dele, por favor, escrevam-me, enviem-me uma mensagem, qualquer que seja, definindo por qual método você foi alfabetizado.

Confesso ao leitor que carreguei até poucos anos esta dúvida que me foi solucionada pelo professor José Pacheco, um português que reside no Brasil, é alfabetizador e um revolucionário da educação.

Estávamos em março e completaria sete anos de idade naquele mesmo ano. Não frequentei pré-escola. Não havia em nossa vila, nem se cogitava sobre este assunto. As escolas públicas tinham o primeiro ano A e B. Num, dedicava-se à alfabetização. No outro, ao conteúdo do primeiro ano. Nessa época as reprovações entre o primeiro e o segundo ano chegavam aos 52%. Nada mudou. Os alunos que conseguem aprender a ler e escrever no primeiro ano, e geralmente, na chamada idade certa, não ultrapassam 50%.

Não silabei, não usei cartilha, portanto não vi a uva que vovó viu! Não sei o significado de método algum, nem da abelhinha, nem da casinha feliz. Você, caro leitor, avalie se o processo foi construtivista ou não, se teve algo que pode ser confundido com o método Montessori, embora eu não tivesse sido instigado a deslizar meus dedos sobre uma letra coberta por uma lixa fina. Muito menos fizeram letras para que eu as usasse na composição de palavras. Este exercício era mental. 

Mas, vamos à dupla de alfabetizadores. Meu pai era um deles, agente de uma estação ferroviária, ordenador dos despachos de mercadorias, geralmente café e leite, além de verduras produzidas nas fazendas do entorno. Vendia as passagens, providenciava vagões para a composição ferroviária e dava licenças para trens de carga e passageiros. Era o responsável pela contabilidade da estação que se localizava na vila de Monnerat, município de Duas Barras, na Região Serrana fluminense. A formação de meu pai atingiu a terceira série primária e o restante foi trabalho de autodidata. Lia muito. Os engenheiros da Leopoldina Railway deixavam livros e os recolhiam no mês seguinte. Como meu avô era representante de revistas e jornais, chegava pelo trem das 13h20 o "O Jornal e o Correio da Manhã”. Mensalmente, a revista "O Cruzeiro”.

Minha mãe gostava de ler. Lia e ouvia novelas pelo rádio. Quando dos tempos de escola, chegou à quinta série e ficou mais um ano junto com a professora Liberalina Alves de Souza, como uma espécie de monitora.

O interesse dos meus pais pela cultura era muito grande. Pelo rádio e jornais, além de algumas revistas, sabiam o que ocorria no mundo. Às vezes usavam expressões em inglês e francês. Não falavam línguas estrangeiras. Educados, recebiam até pessoas que trabalhavam no Ministério das Relações Exteriores como o Dr. Rio Apa, que conversava com eles como se fosse um colega. Este diplomata, casado com uma fazendeira local, permanecia horas esperando os trens sempre atrasados. O mesmo acontecia com os padres de um seminário de Nova Friburgo, formados em filosofia e teologia e que dependiam do mesmo transporte.

O leitor deve ter percebido em que ambiente fui alfabetizado. Antes de aprender a ler e escrever havia uma natural vontade de saber o que estava escrito em tantos papéis diferentes. Podia ouvir as conversas, sabia dos comentários sobre fatos do Brasil e do mundo.

Havia, portanto, uma ansiedade para aprender a ler. Na minha casa e seu entorno o ambiente era de letramento.

Chegou o momento da primeira lição. O que usaram? Um jornal ou uma revista. Meu pai segurava dois cartões de papelão para circunscrever as letras ou o que ele desejava que eu lesse. Apontava-me algumas letras, outras, eu já conhecia. Mas para reconhecê-las era necessário descobri-las dentro de palavras. Foi assim que a palavra me fascinou. Conhecia a palavra por inteiro, antes e, depois, buscava as sílabas, partindo daí para formar palavras novas que já estavam na minha memória. Comecei a relacionar os símbolos com as palavras da memória que, por sua vez, representavam objetos conhecidos. Meu pai e minha mãe levaram-me a decompor palavras, a descobrir palavras dentro de outras palavras. Por exemplo: o que estava contido dentro da palavra "armário”? Então eu lia: ar – mar – rio – mário, chegando depois a buscar palavras usando as letras ao contrário. Por exemplo: oi. Um dia resolvi inventar e segui pelo som, falando "ram”. Foi quando me disseram que este mesmo som poderia ser nasalizado de outra forma: rã! Nunca mais me esqueci das rãs.

Ao lado do ensino que não silabava, mas buscava palavras inteiras havia uma orientação sobre quais palavras poderiam ser faladas diante dos adultos, mormente dos mais velhos e estranhos. A moral acompanhava o ensino. Numa ocasião surgiu na revista O Cruzeiro, publicada pelos Diários Associados de Assis Châteaubriant, uma palavra enorme. Para mim, muito grande. Meu pai pediu-me que a lesse inteira. Olhei bem e disse a ele que a palavra não poderia ser lida porque, dentro dela, havia uma daquelas proibidas! Meu pai olhou bem a palavra e disse-me: pode ler sim, quando esta palavra estiver no meio, pode! Confesso que com certo medo li o que estava escrito: reputação! Se estiver no meio pode, mesmo sendo uma p...!

Qual foi a consequência deste processo, ainda na infância? Passei a ler jornais e revistas. Com nove anos fui alfabetizado para usar o alfabeto Morse, aos dez anos telegrafava licença de trens e transmitia telegramas. Lia o artigo de última página da revista O Cruzeiro, escrito por Raquel de Queiroz. Depois dela vinha Ruben Braga. Se aos oito anos meu avô levou-me para ouvir e cumprimentar um candidato à Presidência da República, aos nove acompanhava a disputa eleitoral entre o general Eisenhawer e Adelay Stevenson, nos Estados Unidos. Torci pelos democratas, mas os republicanos ganharam as eleições.

Pai e mãe, sem serem professores, ensinaram-me a ler e escrever. O ambiente de letramento conduziu-me aos jornais e revistas e a culminância de tudo é que cheguei ao magistério e sou, hoje, um escritor.

Como minhas dúvidas quanto ao método permaneciam, fui consultar o meu amigo José Pacheco. Ele, como sabem, é o fundador da Escola da Ponte, em Portugal. A resposta lusitana foi, ao seu estilo, incisiva: – Werneck, isto nunca foi um método. Isto funcionou e, se funcionou, foi muito bom!

Queria, neste final, que os professores formados alfabetizadores discutissem menos e funcionassem mais porque nossas crianças têm cérebros para aprender e, não aprendem na idade certa, porque alguns de seus mestres não fazem as coisas funcionarem!


Prof. Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante


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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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