Colunas
OBSERVATÓRIO - 06/12/2014
sexta-feira, 05 de dezembro de 2014

Hoje é dia de crônica
Pulsão da morte
Minha pulsão de morte tem nome, sobrenome e apelido. Tem o que sempre procurei, tanto quanto o fim da busca por procurar. É o encontro. É o tempo, ainda que o tempo seja cruel.
Tenho medos. Receio do escuro. Temor da claridade. Em ambos sinto a mesma coisa.
Eu não queria, mas o querer é tão forte, tão forte que, mesmo convencido a não ir — vou. Vou porque minha natureza é essa, porque a voz de comando suplica para te ter mais perto, dentro, intenso. Expurgo a confusão que me condena e escolho a verdade que me liberta. Mas é tão impenetrável a sua armadura. É amor impossível.
Eu amo a impossibilidade, pois admito gostar do desafio — me excita. Mas eu e você parece me provar que é desafio perdido, excitação de taquicardia que leva à morte.
É. A verdade é que eu gosto mesmo de você. Não se trata das paixões passageiras, mas daquelas que voltam e voltam mesmo tempos depois e após sucessões de fatos. Diria que é carência. Digo que é afeto que evolui para amor. Confirmo que é paixão daquela repleta de admiração e ódio das besteiras que faz. Queria de certo, estar no estágio da indiferença. Porém, o eu e você canta nos meus ouvidos, como se fosse pedido de não sei onde. Ainda que não tente aceitar, escuto com atenção.
A incerteza que me visita é, ironicamente, o que me dá a certeza de não perder dessa vez. Agora, quero lutar com todas as armas para invadir seu coração e me tirar da solidão. Entorpeço-me de olhar adiante e crer que é possível derrotar o impossível.
Olhando para o nada me pego pensando em você. Escrevo, desesperadamente, para afogar o que sinto, mergulhar nos textos para deixar você lá afogado. Sim. Eu estava escrevendo sobre você quando chegou, de repente, mais uma vez. Quase perguntei: por que não eu?
Há tanto em comum entre nós dois. Há tantas diferenças entre nós, mas é o que há de comum e de diferente que nos garante a sintonia.
A mesma das músicas que compartilhamos, do papo, da amizade. Sim. Acredito que para dar certo deve existir amizade, mais do que companheirismo. Sintonia perceptível aos olhos dos outros, mas nem tanto aos nossos que seguem os passos de nossos corpos que apenas aproveitam o tempo sem a pretensão de decifrá-lo. Desvendamos fazendo mais do que pesquisando. Metemos os pés pelas mãos. Não percebe? Claro que percebe. Joga baixo. Incita. Se propositalmente, aonde quer chegar? Se despropositalmente, nem você sabe o que quer, mas faz. Sai pela tangente. Pergunto novamente: por que não eu?
Mais apaixonado sinto raiva quando seus olhos desviam e seus passos seguem para outros rumos. Mais apaixonado, porém, também enxergo melhor as qualidades e é nelas que invisto todo o meu exagero.
Será que você não percebe? Mais uma repetida pergunta que martela na minha cabeça. Vê as minhas tolices e sabe. É claro que sabe. Dá linha. Não freia. Só impede quando se vê na situação de escolha. E não me escolhe de novo e de novo e de novo. Por que não eu?
Tive vontade de chorar ontem à noite. Queria poder atropelar todos os sentimentos por você e você junto. Esbofetear sua cara de inteligente e seu sorriso. Criticar seu jeito de fazer e lidar com as coisas. Mas como, se a pergunta que tanto faço é por que não eu? Finjo que está tudo bem.
Continuarei fingindo. Continuarei insistindo. Continuarei confuso. Possivelmente, a convivência presente e ausente me faça confundir as questões. Prossigo, enfim, assim. Talvez o que não há entre eu e você me mostre que o para você não sou eu, tanto quanto você não é para mim. Só é difícil ficar convencido disso. Convencido estou, haja o que houver, é de que já descobri quem é a minha pulsão de morte.
O último pensamento, quando fui dormir ontem à noite, anteontem e talvez amanhã, foi sobre você... Será assim, dentro do meu mundo particular de dramas, você o último pulsar, o último sorrir, o último ferir.
Outra pergunta me visita, enfim: se a morte só existe no que há vida, então você é minha pulsão de morte ou de vida?


Wanderson Nogueira
Observatório
Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário