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OBSERVATÓRIO - 29/11/2014
sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Hoje é dia de crônica
Filtro
Um amigo tenta me convencer de que preciso usar os filtros. Filtrar melhor as coisas, fatos, relações e pessoas. Para quê? Para ser mais feliz? Para ser mais apurado? Mais prudente ou equilibrado? A prudência não me agrada e é talento do qual não faço questão. O equilíbrio está mais para o malabarista na corda-bamba. Seu risco é a lona, o meu será sempre o que vem abaixo do chão. Ainda sim, receoso, não tanto teimoso que sou, lhe dei o direito de me deixar refletir acerca.
Filtrar... Peneirar melhor o que se quer. Perceber o que é cada coisa para cada tempo. Separar. Isso é para aquilo. Aquilo é para isso. Organizar cada qual na sua caixinha. Ah! Essa minha caixinha odeia dispensar espaço para o que se pode dizer velho e inútil. O velho, para mim, é morte ou evolução. Ambos são evolução — convenhamos. O inútil é o que se torna útil por se aperfeiçoar ou por simplesmente passar a indiferença do inexistente. Não possuo o dom ou a maldição dos matemáticos que encontram exatidão onde eu vejo mar de possibilidades. Daí a minha fantástica dificuldade de filtrar. Sou fantasia cheia de adereços.
Ora, filtrar é escolher e quem escolhe sempre perde algo. O detalhe, o aprendizado, a experiência. É preciso experimentar o amargo para reconhecer o doce. É necessário se molhar na tempestade para o prazer de se iluminar ao sol. Porque o sol sempre vem, mais cedo ou mais tarde. É importante a queda para distinguir o crescer do ficar.
Filtrar é impeditivo. É barreira que não precisa ser posta no caminho. Imploro: deixa minha imaginação livre para voar. Criar romances a cada semana. Ter paixões a todo instante e mergulhar nelas com a convicção dos sonhadores. Tudo podem querer. Em qualquer coisa podem acreditar e até mesmo exagerar. Se amanhã não for nada disso? Deixa o amanhã vir e mostrar. O agora é sempre certeza do que os nossos olhos querem ver. Só no hoje pode se brincar de ser feliz. Filtrar é brecar essa brincadeira, é criar regra para esse pique que pede: não há regras! Fere o ineditismo que é cada situação. Recuso a proteção do filtro e respiro o mundo. Deixe que o risco me proteja e o acaso me abençoe.
Pode se filtrar o petróleo para ser mais leve, pode se filtrar a água para ser pura, mas não me peça para me filtrar ou filtrar qualquer coisa relacionado à minha humanidade. Porque ser humano para mim é se entregar e viver. Se jogar. Se doar sem perceber. Se dar e, de repente, esquecer que o tempo ou que o não existem. Tudo é possível! Amores surgirem e acabarem. Feridas sangrarem. Paixões evoluírem e se esgotarem. O antigo ser novo e se renovar de novo. O encontro pegar uma curva paralela e tomar outro rumo, outro objetivo, outra nave espacial. Esse inesperado de cada coisa diminui, para não dizer que finda, ao se colocar filtros. É sentir menos o prazer das coisas como são. É furtar o delírio. É burlar a intensidade. É se atribuir juízo demais e surpresa de menos.
Quero multiplicar o que me contagia. Subtrair ou dividir sem separar. Quero tudo misturado para diferenciar os sabores. Quero essa confusão que gera a combustão que faz ascender o foguete com destino aos planetas de galáxias ainda desconhecidas. Quero a delícia de estar enganado e a sensibilidade de saber que minha intuição também erra, mas que nenhum erro me condena ou me exaspera. Meu único desespero é não ser feliz ao ponto que meu maior anseio é manter constante a felicidade.
Filtrar nunca foi meu objetivo e estou convencido que não quero premeditar nada. Estratégia uso no jogo de xadrez — que nunca jogo. No jogo da vida me jogo e o que tiver que ser, será, com uma pequena dose da minha recusa a filtrar. O que é meu é meu e de mais ninguém. Incluindo as dores, as delícias, os anseios e a espera do que experimento. Só peço para experimentar. Filtrar — deixo para o meu analista.


Wanderson Nogueira
Observatório
Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
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