A coragem de mudar – a doença como amiga

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Mudar aquilo que a gente é não é fácil. Habituamos a sofrer. E alguns preferem permanecer no sofrimento do que mudar. Mas alguns perguntam: "Mudar para o quê? Mudar para me tornar que tipo de pessoa?” Vamos pensar.

Uma pessoa deseja mudar quando ela vivencia algum tipo de sofrimento, doença, incômodo comportamental. Primeiro de tudo, é importante compreender que todo sintoma é um alarme, é uma luz vermelha que acende, dizendo: "Algo está errado em seu corpo, em sua vida!”. Neste sentido, a doença é amiga, porque ela avisa.

Uma educadora norte-americana definiu doença assim: "A doença é um esforço da natureza para tentar se libertar das consequências da violação das leis da saúde”. Interessante o que ela diz! Ela está dizendo que a doença é uma defesa. A doença em si não é inimiga, e talvez a culpa dela existir deve estar no estilo de vida que você leva, que inclui a parte emocional também.

Muitos de nós ficamos acostumados com o sofrimento e quando entendemos que para melhorar é preciso abandonar algum mau hábito, decidimos permanecer com o problema. Pode ser mais fácil suportar a dor do que fazer a mudança. 

Você já ouviu falar em "ganho secundário”?  É o que a doença produz de vantagem para uma pessoa. Uma pessoa pode ganhar atenção, cuidado, proteção, companhia por causa de uma doença e se ela ficar boa desta doença, pode perder tudo isto. Ou pelo menos ela pode pensar que irá perder. Daí a mente sabota a cura e ela permanece com a doença para ter o ganho secundário que é, justamente, ganhar carinho de alguém ou das pessoas ao redor.

O papel de um bom psicoterapeuta (psicólogo ou psiquiatra) é ajudar seu paciente a se tornar consciente do que está fazendo e a deixar o papel ou script que produz sofrimento. A meta é ajudar a pessoa a alcançar um estágio de pensamento e consciência em que ela passa a ser mais livre para escolher seu próprio caminho na vida, claro, até o ponto em que isto é possível, e passa a poder aceitar bem sua situação na vida, aceitação das coisas que são inevitáveis.

Muitas doenças são psicossomáticas. Elas têm uma base mental forte. Ou seja, sintomas físicos e mesmo doenças físicas podem ter componentes de estresse emocional importantes e se isto não for compreendido pelo profissional e pela pessoa doente, os tratamentos clínicos e cirúrgicos poderão trazer somente um alívio temporário. Dr. Herbert Benson, da Universidade de Harvard, diz que 75% das queixas físicas dos pacientes que procuram ambulatório têm origem em estresse emocional e social. 

Então, em algum momento do tratamento, a pessoa precisa pensar sobre que situações em sua vida produzem o estresse emocional que pode estar na base de doenças físicas, claro, provavelmente junto com outros fatores, como dieta ruim, falta de exercícios físicos, qualidade ruim do sono, genética, abuso de álcool, fumo, etc.

Uma doença pode ser uma tentativa inconsciente de resolver uma situação de conflito. É uma forma de encolher o mundo da pessoa para que ela possa, com menos responsabilidade e menos preocupações, justamente porque encontra-se doente, suportar a realidade e não sucumbir mentalmente.

Rollo May diz: "A dor é um sensibilizador para a vida.” ("Liberdade e Destino”, 256, Rocco, 1993). Tentar eliminá-la rapidinho, sem entender de onde ela vem; é fugir da verdade que poderia produzir saúde real. Se a dor emocional é insuportável, alguma medicação pode ajudar, é verdade. Mas assim que a pessoa estiver mais capaz de pensar na dor e nas suas causas, ela deve fazer isto, o que significa atravessar a dor, encarar a dor, para aprender a lidar com ela de forma construtiva. 

Nesta sociedade complexa, com queda violenta dos valores éticos, com o avanço da violência e corrupção de todos os tipos e em todos os níveis da sociedade, com a superficialização das relações humanas e agora com a virtualização dos contatos pelas redes sociais, não é verdade que somos capazes de eliminar a dor profunda do ser. A tecnologia médica não tem poder para isto. Porque a dor da humanidade tem a ver com a alma, com o "coração”, com a estrutura psíquica contaminada, com a atrofia cerebral de que somos vítimas. Tem a ver com agrotóxicos, poluição do ar, escassez de água, competitividade cruel, abuso moral, injustiça social e tantas outras coisas ruins.

Talvez o primeiro passo para você mudar algo que causa dor na sua vida é parar e pensar sobre seu sofrimento. Ver o que você repete no seu comportamento e que também repete a dor, e lutar para parar com esta repetição. Comece por aí. Fazer isto já será um grande passo para a mudança e o alívio da dor e eliminação do sofrimento evitável.


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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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