Colunas
Vizinho problemático, cães ameaçados vol. 2
terça-feira, 14 de outubro de 2014
Há mais ou menos quatro anos, publiquei em minha coluna um artigo que contava os problemas de Astrogildo com um vizinho, magistrado de profissão, por causa dos latidos de seus cães, que incomodavam o ouvido sensível de sua excelência. Astrogildo é um brasileiro que se mudou para o Lisarb, um país situado um pouco antes da Terra do Nunca, e que contou seu problema para Hermenegildo, seu amigo que, a contragosto, continua a morar no Brasil.
Naquela ocasião, Astrogildo foi surpreendido por um oficial de justiça a lhe entregar uma comunicação extrajudicial, em que era assinalada a intenção do magistrado de abrir um processo contra ele, caso não silenciasse seus cães, não importava de que maneira. Sua excelência, numa clara manobra de intimidação, foi incapaz de conversar com Astrogildo, o que fariam simples vizinhos como manda, aliás, a convivência normal entre seres humanos. Claro, deuses não se dirigem aos simples mortais, deve ter pensado Astrogildo.
Não por esse problema, Astrogildo construiu outra casa e alugou a anterior para um inquilino, que para azar do vizinho de fundos, também possui dois cães, da mesma raça e que, como todo animal de guarda, latem quando estranhos — seja humano ou animal — se tornam visíveis ou invadem seus espaços. Diga-se de passagem, que o inquilino de Astrogildo é uma pessoa muito conhecida, na cidade em que mora, educado, trabalhador e um excelente chefe de família.
Não demorou muito, o oficial de justiça voltou com uma nova intimação extrajudicial e, como os cães não tiveram suas cordas vocais extirpadas nem receberam uma dose segura de estricnina, não demorou para que fosse aberto um processo contra o inquilino de Astrogildo. Mais uma vez, valendo-se de sua posição, o vizinho solicitava uma indenização de vinte mil reais, que a princípio julgou-se ser para comprar protetores de ouvido importados, de última geração; posteriormente, percebeu-se que seria para transformar o quarto em que sua excelência repousa num espaço à prova de som. Ao que parece, essa blindagem foi reforçada, pois quando Astrogildo teve o mesmo problema, uma parenta do magistrado foi conversar com ele e, naquela ocasião, ela já dissera que o quarto tinha recebido um tratamento especial.
Astrogildo escreveu de novo para Hermenegildo, pasmo mais uma vez, pois mora próximo e não escuta nada além dos latidos normais que todo canino emite, na sua precípua função de guardião de seu espaço. Segundo ele, se o poder público garantisse a segurança dos cidadãos, como é sua obrigação, cães de guarda seriam desnecessários. Felizmente, o atual morador da casa não possui galinheiro, pois esses são movidos a galos que têm o péssimo hábito de cantarem entre três e cinco da madrugada. Com certeza teriam que virar canja, para não incomodar um vizinho de ouvidos tão sensíveis.
A rua que Astrogildo mora é uma rua sem saída e, mesmo de madrugada, é comum carros entrarem já que não existe uma placa sinalizando para: "Rua sem saída”. Isso pode despertar cães e fazê-los latir, claro está que de maneira passageira, pois quando a viatura se afasta, o cachorro se aquieta; também latir vinte e quatro horas por dia os levaria a exaustão. Mas isso não é uma constante, tanto que ocorre esporadicamente. Não existe na legislação do Lisarb nenhuma lei que impeça cachorros de latirem, assim como é crime emudecê-los mecanicamente, através da retirada de suas cordas vocais, aliás, uma manobra que seria absurda.
Mais uma vez Astrogildo, que está ameaçado de perder um ótimo inquilino, pergunta a Hermenegildo: o que fazer para resolver esse imbróglio?
Max Wolosker
Max Wolosker
Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário