Segmentação ou discriminação

quarta-feira, 02 de julho de 2014

É preceito básico do marketing definir quem é o público-alvo de determinado produto, serviço ou ação. Separar, agrupar e focar é condição para que se consiga eficiência em marketing, evitando assim que determinada oferta seja feita ao cliente errado ou com baixíssima probabilidade de conversão em venda. Considerando que toda ação de venda ou de comunicação apresenta custo, o propósito é manter os custos de vendas baixos de forma que todo o esforço de comunicar e vender permaneça lançado como investimento e não como prejuízo.

Nesta lógica, o marketing tem bases mínimas de segmentação, ou seja, de separação e agrupamento de targets (públicos-alvos), que são a base demográfica e a psicográfica. 

Neste fim de semana, em função de compromissos de trabalho, estive no Rio de Janeiro e não resisti no domingo à maravilhosa Prainha, a penúltima na orla sul da cidade maravilhosa. E lá, acompanhado da esposa, filho, sobrinha e de minha mamãe, vi a segmentação de mercado aproximar-se da discriminação.

Promotoras de vendas com biquínis minúsculos em corpos moldados por litros de silicone distribuíam entre os muitos surfistas que frequentam esta famosa praia de surf folders elaborados de baladas com 18 horas de duração, e apesar da distribuição em larga escala, fui sumariamente ignorado. O que aconteceu ali foi a segmentação dando um cutback (manobra do surf em que se muda drasticamente de direção) na minha cara de cidadão com mais de 40 anos e, portanto, out of balada!

Voltando às bases de análise, para que tudo isso faça sentido, vejamos que a base de segmentação demográfica foca em características mais lineares, mais quantitativas como idade, sexo, renda, religião, local de moradia, instrução, etc. são valores capazes de igualar alguns inigualáveis, mas que ainda assim ajudam muito a realizar de forma rápida e rasa certa similaridade entre dada população.

A psicográfica tem por característica o agrupamento por comportamento, estilo de vida, de consumo. Bem mais eficiente, tem também muito maior sofisticação e exige uma pormenorização de informação, por vezes raras de se obter, pois mais importante do que quanto você ganha, é quanto você gasta. Com o que você gasta. Onde você gasta e quando você gasta. Isso só para falar do "gasta”: ainda tem o gosta, o vai, o compra, o coleciona, etc. Nesta lógica, podemos ter dois consumidores com rendas diferentes, mas com consumos semelhantes  — e para o mercado de consumo é o que importa, são pares. Assim, esses dois consumidores são ao mesmo tempo iguais e diferentes. Para o banco, são pessoas diferentes, pois uma vive poupando e a outra alavancada (endividada). Mas para a loja de tênis são como iguais, pois ambos compram sempre, por exemplo.

Voltando à praia, o curioso que o processo de distribuição de material de comunicação atingiu duas estratégias: a distribuição pessoal nas areias da praia e a distribuição nos carros. Depois de passar horas na praia resmungando que eu havia sido cortado do mérito de ganhar o panfleto (o panfleto que até hoje me recusei de receber, o que é bem irônico) quando chego ao meu carro lá estava ele, radiante sobre meu para-brisa e ali pude ver a discriminação novamente, pois não eram todos que haviam recebido. A boa notícia é que ainda resta esperança (risos), afinal tenho um perfil de consumo que ainda me inclui em determinadas atividades joviais, mas a má noticia é que meu carro está bem melhor do que eu. 

Como vemos, a segmentação ainda é imperfeita e quando ela acontece de forma evidente e escrachada, assemelha-se a um sentimento em quem é "não segmentado” a uma discriminação, mas no fundo o marketing acerta mais do que erra, afinal, apesar de ouvinte fiel de música eletrônica (entre outras), não troco meu sono e pouca e boa companhia por uma noite a base de ecstasy e muita cabeçada. 

No fundo, quem segmenta é o consumidor, o que cabe ao marketing é antecipar desejos e expectativas.


Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de

Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental,

professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação 


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