Falta de desejo

Quase sempre elas começam a consulta com um assunto diferente do real motivo que as levou ao meu consultório. Com atenção e calma, procuro entender cada palavra que aquela pessoa me diz. Depois de um certo tempo, surge então a razão principal da consulta. Lembrei deste assunto depois de atender, na última sexta-feira, uma jovem senhora, na faixa dos cinquenta anos. Estava residindo em Friburgo há cinco anos. Filhos criados, ela e o marido aposentados venderam o apartamento em São Paulo e mudaram-se para nossa cidade. Curioso, perguntei como descobriram Friburgo, tão longe de São Paulo. Com um ar de alegria no rosto, ela me disse que aqui em nossa terra eles haviam passado dias maravilhosos da lua de mel, pois na época moravam em Niterói Anos depois o esposo, funcionário de uma grande empresa, foi transferido para São Paulo. Quando resolveram mudar de lá em busca de uma cidade menor e mais calma, ela lembrou de nossa terra e perguntou ao marido o que ele achava. A resposta foi imediata, ele concordou na hora e ainda disse "que boa ideia". Vieram para cá, se hospedaram num hotel e, depois de alguns dias de procura, um corretor lhes mostrou uma pequena chácara em Mury, com uma casa que na hora conquistou os dois. Foi amor à primeira vista. "Mas qual é o seu problema, qual é o motivo desta consulta?”, perguntei. Bem mais a vontade que no início da conversa, ela me disse que não sentia mais nenhum interesse pelo sexo, que vinha fingindo que sentia prazer nas relações apenas para agradar o marido, que era um companheiro maravilhoso do qual gostava muito, mas que não tinha coragem de falar sobre o seu problema, com receio de ele não entender e pensar alguma outra coisa. Não queria estragar uma vida boa, de tantos anos, e preferia esconder sua dificuldade sexual, fingindo um prazer que na verdade não sentia. Esperei que ela terminasse de falar sobre seu sofrimento pessoal, pois desabafar um sofrimento, qualquer que seja, é um dos melhores remédios para a alma. Assumi a frente da conversa e lhe falei que o que ela estava passando era muito comum na sua idade. Talvez mais da metade das mulheres naquela fase da vida passava pelo mesmo sofrimento e escondia do marido, com medo da sua reação, com medo de que pensassem alguma bobagem; de repente, que gostasse de outro homem. Expliquei que geralmente o problema esta ligado a uma deficiência hormonal e que tinha solução. Pedi uma rotina de exames adequada ao caso e que retornasse com os resultados. Despediu-se com um sorriso largo no rosto.