Corrupção não é doença mental

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Assisti um trecho do discurso de um político de Brasília, numa reportagem na TV. A fala, as ideias, a entonação da voz e a postura física dele eram típicas de alguém com Transtorno Afetivo Bipolar tipo 2, na fase eufórica. E pensei: "Como pode um indivíduo destes estar numa posição importante de poder na nação?”. É doloroso de ver.

Claro, eu precisaria de mais informações sobre a história médica e psicológica dele para fazer um diagnóstico. Mas, na pior das hipóteses (ou na melhor das hipóteses?), ele seria um eufórico manipulador, cínico, nojento.

Mudando o canal de TV, me deparo, às vezes, com um pregador, geralmente evangélico, com o mesmo perfil daquele político, falando alto, eufórico, distorcendo passagens da Bíblia para se adequar à sua filosofia pessoal, iludindo, assim, os ouvintes com ensinos falsos. 

O político acima, que foi afastado do cargo por vários crimes, e alguns pastores evangélicos no perfil descrito, podem apresentar algum transtorno mental classificável pelo Código Internacional das Doenças (CID-10) e apresentar, ao mesmo tempo, distúrbios de caráter. Mas uma pessoa pode ter um caráter muito deturpado e maligno sem ser portador de uma doença mental descrita no CID-10.

Corrupção não é doença mental. Não é tratável por psiquiatra, psicólogo e com medicação. Corrupção é uma doença do "coração”, do espiritual na pessoa. É um desvio da boa conduta por interesses pessoais egocêntricos. É fruto de uma obsessão por poder manipulador da verdade. 

Dentre os grupos principais de doenças mentais que atingem a humanidade, estão as neuroses; psicoses; doenças mentais decorrentes de alterações físicas com alterações neurológicas (Alzheimer, Psicose Sintomática, Psicose de Korsacoff do alcoolismo, surtos psicóticos desencadeados pelo consumo de drogas ilícitas, ao trauma ou tumor cerebral, etc.); demências (Síndrome de Down, etc.); desvios sexuais, entre outros. 

Uma pessoa não pode chegar ao poder público, legislativo, judiciário, executivo, empresarial ou eclesiástico sendo possuidor de um transtorno mental grave, como uma psicose complicada ou demência. Mas pode ter uma neurose importante - TOC, por exemplo - e se tornar influente na sociedade, porque conseguiu funcionar mentalmente de modo que não perdeu os componentes essenciais para executar suas funções (inteligência, orientação no tempo e no espaço, noção de identidade, atenção, memória, etc.). O cantor Roberto Carlos é portador de TOC e faz tratamento por conta disto, até colocou informações no site dele sobre este assunto. (a saber: http://www.robertocarlos.com/como-posso-saber-mais-sobre-transtorno-obsessivo-compulsivo-toc) 

Entretanto, é possível haver indivíduos que possuam um (ou mais de um) sintoma de doença mental grave, talvez alguns com um traço psicótico esquizoide, outros com euforia bipolar não tão dissociadora da realidade, que cheguem ao poder público. Mas o que determinará a prática corrupta crônica nestes casos não será o que há de doença mental neles, e sim, a alteração de caráter, desenvolvida ao longo dos anos. E repito: tal alteração não está classificada no CID-10, e seu tratamento é mais de cunho espiritual do que psicológico ou psiquiátrico. A corrupção nestas pessoas se deverá, portanto, à permissividade na mente delas do cultivo de desejos perversos, materialistas, egocêntricos, culminando no dia a dia com atitudes desonestas. O mal interior avança rapidamente quando não cerceado. As crianças, sem orientação e disciplina saudável por parte dos seus cuidadores, aprendem mais rapidamente o mal do que o bem. 

Pode ser que uma parte dos corruptos tenha tido pais permissivos ao longo de sua infância e adolescência. Se bem que um bandido pode sair de uma família de bons costumes, mas é mais difícil. Bem mais difícil. Pais permissivos são os que não colocam limites necessários para os filhos. São os que transgridem o bom senso e a verdade, na frente das crianças que os observam, copiam e repetem estas atitudes na vida adulta.

Porém, muitos corruptos podem ter tido pais honestos e se tornaram desonestos, talvez, por influência de maus colegas, pela ganância que subiu ao coração, pelo desejo de vida fácil sem trabalho honesto. Cientistas afirmam que nosso comportamento tem entre 30% a 50% de influência genética. O resto é aprendido. E pode ser desaprendido. Vou repetir: pode ser desaprendido. A questão é se o corrupto quer desaprender o erro e adotar a honestidade. É uma escolha pessoal. Para a vida ou para a morte.


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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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