Observatório - 15/02/2014

sábado, 15 de fevereiro de 2014
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Hoje é dia de crônica

 

Quanto tempo dura uma paixão?

Uma paixão pode durar um dia, algum tempo ou muito tempo. Dura até quando acaba ou até o sagrado instante em que vira amor. A paixão só pode evoluir para dois caminhos: o fim ou o amor, que é quando se eterniza para além de simples história.

O tempo muda tudo, talvez só não mude certos sentimentos muito fortes, que ficam muitas vezes guardados em segredo.

Há poucos dias, minha avó de 85 anos me ensinou isso, sem que precisasse discorrer em longas explicações ou exemplificações de novelas, que ela tanto gosta, mas que não têm compromisso com a realidade.

Vovó me mostrava fotos antigas de minha mãe! Foi o primeiro encontro que tive com ela após a morte de minha amada mãe! Choramos juntos, lamentamos juntos, rimos de passagens que conheci e outras tantas que não tive o privilégio de fazer parte. Entre as fotos de minha saudosa mãe, eis que minha avó, com sua pele macia e enrugada, marcada pelos anos, saca de sua carteira um papel conservado, guardado com imenso cuidado, ainda que, inevitavelmente, amarelado pelas décadas. Com o desenho de uma borboleta e a inscrição "amor sincero” em purpurina. Abaixo, a estranha data de 19 de setembro de 1946. "Quanto tempo!” – pensei, cheio de curiosidade. Não! Não se trataria de minha mãe, que nasceu em 1961. Do que poderia ser?

De amor? Paixão jovem? Sim! Os tantos anos e histórias vividas não apagaram aquela memória, materializada nos versos de uma carta. Minha avó preservava aquele pedaço de papel com tinta de caneta por todo esse tempo. E revelou-me que sempre levou o papel na esperança de rever aquele moço que assinava a carta como Cândido!

Minha avó conheceu-o com 17 anos! Não entrou em detalhes, mas com os olhos de um adolescente apaixonado disse que aquele foi o último contato! Nunca mais o viu. Procurou saber dele em todos os cantos, com os familiares que conhecia, mas jamais soube o que aconteceu ao amado.

O que aconteceu com ela? Viveu! Casou. Teve filhos. Viu os filhos casarem, descasarem. Ficou viúva! Viu tantos chegarem e muitos partirem. Viveu, talvez, com a esperança de reencontrá-lo! Reencontrar o Cândido, que pode ser que também tenha vivido como ela ou não! Que talvez ainda a espere ou morreu esperando e espera em planos desconhecidos de nossos olhos mortais.

Possivelmente, ninguém nunca soube disso! Provavelmente, meu avô jamais soube dessa paixão adolescente de minha avó, que tocou a vida esperando aquele que lhe escreveu "assim como os cravos e as rosas sentem falta do orvalho da manhã, meu coração também sente falta de seus olhares embelezadores...” Acho que nem minha mãe sabia dessa história, ainda que minha avó tenha revelado a mim que não deixou de carregar aquela carta por sequer um dia.

O que teria acontecido a Cândido? Será que ainda está vivo? O que sei é que ele ainda vive no coração de minha avó, mesmo após 68 anos. Mesmo após todo esse tempo, os olhos de minha avó ainda brilham. Sua fala ao dizer dele ainda vem trêmula, tanto quanto seu coração dispara. Como uma paixão pode durar tanto tempo? Será amor? Será que eu aguentaria permanecer em encantamento por tanto tempo? Ela ainda espera o reencontro de quem na carta insistia que não via a hora de reencontrar a sua "mulatinha”. Reencontrará? Eu encontrarei amor assim? Você encontrará amor assim? Quem tem a sorte? Quem não tem? Quem tem o privilégio de  um meio de história tão feliz, como o começo certo de um fim de novela, perfeito em luz?

Ainda que sofrido, ainda que pudesse ser diferente ao ponto de que eu não viesse a existir... O amor perdura, ainda que na imaginação daquilo que poderia ter sido. A paixão insiste naquilo que desconhece, mas cria, na caixa secreta que cada um carrega em si, possibilidades no que em realidade parece impossível.

 

Conhecido como Gugu, Luis Gustavo é nascido e criado em Nova Friburgo, no bairro do Perissê. Começou aos 10 anos de idade na Lokasom, famosa empresa de sonorização e projetos de acústica da cidade, onde está até hoje.

Figura cativa que faz os eventos como o carnaval acontecerem.



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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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