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Marketing do melhor
quinta-feira, 06 de fevereiro de 2014
Trabalhar, prosperar, comprar, acumular, aprender, ensinar: são valores importantes na nossa cultura. O consumo tem feito de nós bichos mais competitivos e dado a muitos a perfeita sensação de que o triunfo financeiro faz deles pessoas melhores.
A diferença social entre os ricos e os pobres, tão berrante no Brasil, criou uma verdade bem mentirosa, que parece afirmar que quanto mais se tem, melhor se é. Assim, tem muito rico se achando por cima dos que têm menos, e alguns nada ricos se achando o tal porque têm um Chevette 75 e o vizinho está de busum.
Esta realidade, que dá ao dinheiro mais valor do que à pessoa, é construída por todas as mídias que dão muito mais valor ao ter do que ao ser, e a divisão entre classes cada vez mais se define por dinheiro, nivelando e distinguindo cada vez mais a todos por seus respectivos saldos. Comportamento, valores, instrução, tudo se dilui. Somos copos que, uma vez cheios até a boca, somos iguais, independente do que tem em cada copo.
A apologia ao comprar, consumir, ao possuir e exibir retrata a pressa que vivemos e a superficialidade do cotidiano. A televisão, cinema e videoclipes, numa linguagem visual, determinam o padrão do ser, de um ser visual, portanto vazio e revestido. Somos armaduras, cascas de nós mesmos, daquilo que poderíamos ter sido — se olhássemos menos para vitrines e espelhos.
O Facebook, sucesso na internet, prospera (ainda que a passos mais lentos) apoiado em uma linguagem dinâmica, visual e superficial. Seu sucesso reside na lógica do nosso tempo, um tempo sem tempo, sem lógica e sem conteúdo. O politicamente correto cresce não na melhoria da nossa natureza, mais tolerante e compreensiva, mas apoiada na preguiça e na impossibilidade de se ter uma reflexão capaz de sustentar a discordância de opinião e valores distintos.
Neste mundo corrido e de competição superficial, o consumo acelera tudo isso, distrai o individuo com brilhos, novidades, tecnologias, minimiza sua incompletude e disfarça seus defeitos. Cada vez mais tendemos ao anonimato, onde sobrenomes ou formação são substituídos por atributos de riqueza, adjetivos por substantivos concretos, defeitos por produtos e essência por marcas.
O marketing que incentiva o consumo inconsistente e inconsciente está nos afastando do que a modernidade e a tecnologia deveriam fazer por nossas vidas. Ao invés de vivermos melhor, trabalharmos menos, deixarmos as tarefas mais básicas aos processos automáticos e cuidarmos do ser, o foco tem sido acumular, comprar, gastar e dever. Ciclo após ciclo, seguimos em espiral e o tempo passando mais rápido, os produtos sendo substituídos em menos tempo, as necessidades de compra aumentando e o melhor para se ter sempre sendo redefinido. Haja 24 horas por dia, haja crédito, haja parcelamento, haja trabalho.
Comprando o que não se precisa, nos afastamos mais e mais de quem precisamos ser, e tendo cada vez mais coisas, muitos acreditam ser melhores dos que os outros; e os que não têm acabam por se convencer que somente tendo serão, e fecha-se o ciclo e vence o consumo. Bom para os empregos, péssimo para a vida.
Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto
de Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental,
professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação
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