Será que a cripteia existe?

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Esta questão remonta à antiga Esparta, lá pelo século VI antes de Cristo. A sociedade espartana era dividida em três grupos sociais.

Os esparciatas eram aqueles com todos os direitos civis e que dirigiam os destinos da cidade-estado. Eram os únicos que podiam deter conhecimento.

Os periecos formavam o grupo de artesãos e comerciantes, representando um grupo dez vezes maior de pessoas e que não podiam deter conhecimento. 

Os hilotas ou escravos trabalhavam nas terras de seus donos e nem de longe podiam conhecer alguma coisa fora de seu ambiente de trabalho. Correspondiam a um número vinte vezes maior que os esparciatas.

Não sendo suficiente esta divisão, os exércitos de Esparta criaram uma milícia paralela, chama cripteia, encarregada de emboscar os periecos e hilotas que, por ventura, passassem a deter algum conhecimento. Eram duas classes onde o conhecer era proibido e castigado até com a perda da vida.

Existiria, ainda, a cripteia em nossa sociedade brasileira? Creio que sim. Ela existe de modo disfarçado, suas emboscadas são sofisticadas e as armas para matar o conhecimento, sobretudo das classes menos favorecidas, são revestidas de estratégias peculiares.

O que é o ato covarde de se encaminhar para o ano escolar seguinte um estudante que não dominou os conhecimentos do ano anterior? É a sua condenação para não aprender os conteúdos da próxima etapa. A escola que não repõe conhecimento pratica a cripteia, ou seja, mata seus alunos.

Os pais que criam filhos de qualquer maneira e sem responsabilidade entregam-nos à cilada do desemprego futuro e das possibilidades de se libertarem das escravidões em que vivem.

Se um docente sabe e não ensina, ensina e não pratica e ignora e não pergunta é um miliciano desta cripteia modernizada através dos três pecados capitais da pedagogia, segundo o monge Beda.

Gestores que não cuidam das condições de trabalho do magistério, descuram de uma remuneração justa e não avaliam os trabalhos docentes alimentam o mesmo mecanismo perverso que, aos poucos, dilacera a estrutura intelectual de várias gerações.

O que dizer quando um poder legislativo envia um analfabeto funcional para a comissão de educação? Não seria a afirmativa acerca do descaso com a seriedade que a educação requer?

Quem não se atualiza nem ministra uma aula compreensiva para seus alunos acaba sonegando informações preciosas e necessárias para o conhecimento. O ensandecimento na luta contra as cotas raciais e as várias bolsas de estudo concedidas aqui e no exterior para estudantes brasileiros melhorarem o próprio desempenho é outro modo de impedi-los de chegar onde a pátria necessita e requer. 

Por fim, a aprovação automática e a reprovação, também automática, configuram cripteias de tocaia espreitando nas encruzilhadas e definindo a quem perseguir com arma mortal.

Esparta não escondia a falta de liberdade e matava os que eram impedidos de conhecer para não prejudicar a estrutura da cidade.

Nós somos de crueldade especial: somos ditadores sofisticados que conseguimos fazer com que nossos súditos cantem o hino da liberdade!


Professor Hamilton Werneck é pedagogo,escritor e palestrante. www.hamiltonwerneck.com.br


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Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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