É possível viver uma vida ideal?

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

É possível viver uma vida ideal nesta existência? Existe o ideal? O que é uma vida ideal? Você sente que sua vida é ideal? Será que podemos dizer que uma pessoa muito rica, economicamente, tem uma vida ideal? Será que podemos afirmar que uma pessoa pobre, materialmente, não tem uma vida ideal?

Claro, tudo vai depender do seu conceito de "vida ideal”. Gosto de pensar no conceito de vida ideal como aquele no qual a pessoa consegue paz interior, vivendo a maior parte do tempo com serenidade. Isto não é o mesmo que ter ausência de angústia. Assim como é impossível não ter temperatura corporal (normal é 36.5 centígrados), não há como não ter angústia nesta vida. A diferença entre uma pessoa normal que tem angústia e a que tem angústia exagerada é correspondente à pessoa que tem febre (temperatura exagerada) e a que não tem febre (temperatura normal). Muito de nossa criatividade pode ser empurrada pela angústia. Mas em algumas pessoas a angústia a paralisa, até que ela possa aprender a lidar construtivamente com ela. E isto é possível.

Há muita gente rica, materialmente, com angústia muito alta, sem serenidade, com insônia, dependente de medicamentos "controlados”, ou viciados em drogas lícitas ou ilícitas para poderem se sentir "bem”. O que será que falta nelas?

Você concorda que o ideal de vida depende bastante da pessoa ter serenidade preponderante? Serenidade é desfrutar paz mental, é ter um nível de angústia bem administrada que não produz sintomas, que não requer medicação, que não empurra a pessoa para ser viciada em trabalho, em cocaína, bebidas alcoólicas, compras, ou qualquer outro agente adictivo (produtor de dependência). Por exemplo, você acha possível um corrupto ter verdadeira serenidade, paz mental? Duvido. Se ele diz que sim, com certeza empurrou a angústia para um nível bem mais inconsciente em sua mente, e provavelmente ela se manifestará por sintoma psicossomático ou explodirá mais adiante na vida. O equilíbrio automático das funções físicas e mentais (homeostasia) não funciona bem numa pessoa corrupta. 

Ter uma vida o mais próximo do ideal não é algo automático. Será que obter serenidade é algo que ocorre em nossa vida, espontaneamente? Ou é preciso lutar individualmente para consegui-la? Filosofias religiosas falam sobre deixar o eu de lado para se poder seguir um caminho de felicidade. Mas devemos lutar por nós mesmos ou nos abandonar, deixando o eu de lado? Como não deixar o eu de lado, lutar por nossa vida e ao mesmo tempo escapar do egoísmo? 

Vive você com uma pessoa espaçosa? Uma pessoa espaçosa, do ponto de vista comportamental, é alguém que mantém quase que o tempo todo o "desconfiômetro” desligado, ou seja, não percebe se seu jeito de ser, se suas atitudes invadem a individualidade dos outros. Ela tem uma postura mental inconsciente, automática, como se os outros devessem a ela atenção, ajuda, e, assim, não se independe para procurar soluções para seus problemas ou suas necessidades e desejos, "esparramando-os” sobre os outros. Em outras palavras, uma pessoa espaçosa é invasiva sobre os outros, porém, pode ser muito reativa e "sensível” quando alguém tenta entrar no espaço dela. 

Quanto ao ideal de vida, se você convive com uma pessoa "espaçosa”, qual é o correto? Colocar limites ou deixar que ela ligue o desconfiômetro, perceba e tome uma atitude melhor? E se ela não se importar com fazer isto? Tem as pessoas o direito de invadir nossa privacidade sem que nos defendamos? Temos o direito de invadir a privacidade das pessoas e elas tendo que tolerar nosso abuso sem colocar limites? Nos dois casos, ser invadidos por pessoas espaçosas ou sermos os espaçosos, onde está o ideal? Não seria cada um perceber suas invasões e desequilíbrios e fazer os ajustes por si mesmo? Não seria isto um ingrediente da vida ideal?

Parece que não existe uma relação humana ideal, em que os ajustes no relacionamento ocorram de forma automática e espontânea. Alguém tem que fazer algo para a harmonia acontecer. E não é isto que vemos em nossa sociedade. A maldade aumenta assustadoramente e de formas variadas. Ela vai desde a corrupção em todos os níveis sociais, passando pelo abuso de crianças, dependência química, queda dos padrões de ética e boa moral nos meios de comunicação, etc.

O professor de física quântica na Universidade da Califórnia em Berkeley, Fritjof Capra, em seu livro "O Ponto de Mutação”, escreveu algo importante sobre a possibilidade de uma vida ideal: "Acredito que a visão de mundo sugerida pela física moderna seja incompatível com a nossa sociedade atual, a qual não reflete o harmonioso estado de inter-relacionamento que observamos na natureza. Para se alcançar tal estado de equilíbrio dinâmico, será necessária uma estrutura social e econômica radicalmente diferente: uma revolução cultural na verdadeira acepção da palavra. A sobrevivência de toda a nossa civilização pode depender de sermos ou não capazes de realizar tal mudança” (p.15.16). 

Mais adiante no livro ele duvida que sejamos capazes de fazer a mudança necessária. A realidade tem mostrado isto. Definitivamente não estamos caminhando para uma sociedade justa e uma vida ideal. Não deste jeito como grupos sociais, governos, meios de comunicação e mesmo instituições religiosas, estão conduzindo as coisas. Não há paz verdadeira e nem justiça social com o predomínio da corrupção. Qual a saída? Tem saída? É possível viver uma vida ideal neste tipo de funcionamento social?


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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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