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Não causei, não posso controlar e não posso curar
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
Como conviver com alguém que nega ter complicações comportamentais? Dificuldades e lutas interiores todos temos. Mas algumas pessoas são bem defensivas e vivem muito na negação, ou seja, não admitem que têm problemas emocionais, ou se admitem fica a pergunta: elas pensam nisto? Tem interesse em melhorar? Ou ao tomarem consciência de suas dificuldades, afastam este pensamento da mente e se ocupam com outras coisas?
O título acima fala de um raciocínio importante, usado nos grupos Al-Anon e Nar-Anon, que ajudam pessoas com familiares ou amigos com problemas com álcool e/ou outras drogas. Vamos pensar sobre o significado destas três declarações de profundo significado, para que você, que convive com alguém defensivo, que rarissimamente admite que errou ou que tem dificuldade de controle emocional, saiba o que fazer.
Originalmente estas declarações, apelidadas de "os 3 c” (não Causei, não posso Controlar, não posso Curar) são usadas para o familiar ou amigo de um alcoólico ou dependente de outra droga pensar que ele não é o responsável pela pessoa se envolver com substâncias tóxicas, é impotente para controlar o problema e não tem capacidade para curar o vício. É importante pensar nisto e pensar de novo, pensar mais adiante, para que a falsa culpa não ocupe a mente do familiar, pois geralmente a pessoa que tem um parente dependente químico se pergunta: "Onde foi que eu errei para que [meu filho, meu marido, minha esposa, minha filha, etc.] tenha entrado neste mundo destrutivo?”
Ainda que geralmente o familiar também tenha problemas emocionais (podendo ser codependência afetiva), a decisão do adicto de entrar nas drogas é dele, não é, portanto, causada pelo parente. É uma escolha que a pessoa faz de usar a substância, que serve para anestesiar emoções dolorosas. Que emoções são estas? De onde elas se originam? Isto é o que o dependente químico precisa enfrentar, mais cedo ou mais tarde, se ele quer se livrar deste tipo de morte lenta, morte da moral, do respeito próprio, da serenidade e até morte física.
Mas o tema que quero comentar hoje tem a ver com lidar com uma pessoa fechada, defensiva, com dificuldade de admitir que tem problemas não ligados ao uso de drogas.
Há pessoas bélicas. Parece que possuem impulsos crônicos para discutir. Implicam com o vizinho porque 10 cm de um galho da árvore dele está pendendo para o seu quintal, e coisas assim. Com este tipo de pessoa o jeito é você não dar papo às reclamações dela. Ouça, e em seguida talvez você possa dizer: "Puxa!”, e mais nada. E vai saindo de fininho, se você não quer alimentar conversa estressante. A pessoa briguenta provavelmente puxará briga com você porque você não quis alimentar a atitude implicante dela. Ela poderá dizer: "Você nem liga para o que estou falando!”, já com voz agressiva. Você pode dizer: "Escutei o que você disse. Para mim não tem muita importância isto [cite o fato]. Mas respeito seu jeito de ver a coisa”. E de novo saia de fininho, sem medo, convicto de que não vale a pena entrar na polêmica desta pessoa que parece que aprendeu a gostar de implicar. E lembre-se: ela faz isto não porque você não é legal com ela, mas porque ela não é legal com ela mesma. E talvez não entendeu isto ainda.
O que cria tensão entre você e uma outra pessoa pode ser outra coisa, sem ser conviver com alguém implicante. Pode ser uma pessoa insegura que fica cobrando companhia. Ou alguém dependente que nunca se satisfaz com o que você faz para ela. Pode ser uma pessoa autoritária com quem você aprendeu a não mais se submeter passivamente e que não aceitou esta mudança sua e fica ainda mais "nervosa”. Ou um indivíduo carente de afeto que vive no mundo romântico e que acha que você nunca chega lá no que ela quer (e nunca vai chegar mesmo e nem precisa porque trata-se de um mundo da fantasia).
Para qualquer uma destas situações, pense: eu não Causei isto, não posso Controlar isto e não posso Curar isto. Se é uma questão de estresse no casamento por situações como esta, é bem possível que esta pessoa difícil tenha trazido para dentro da vida de casados os problemas dela ainda mal resolvidos. Ela pode ter estas atitudes desagradáveis porque pode estar colocando a solução do sofrimento pessoal dela (que ela já tinha antes de casar) em você (que não tem nada que ver com isto), em vez de dar uma olhada para dentro dela mesma, sendo honesta, sincera, e ver que realmente você não causou, você não pode controlar e você não pode curar isto que só ela pode, porque é algo dela.
Fique tranquilo em seguida. E vamos torcer e fazer todo o possível para que esta pessoa se enxergue, aceite suas limitações pessoais e procure meios e métodos de crescimento pessoal. Mas ela precisará ser humilde o suficiente para, finalmente, aceitar que ela também tem problemas e que você não é o causador, não é o responsável para dar a ela autocontrole emocional e não é o curador dela.

Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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