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Escola integral atende ao dispositivo constitucional
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
Quando o II PND propõe a organização escolar pública em sistema integral, atingindo 50% das escolas até 2020, está atendendo à emenda constitucional número 20, votada e promulgada em relação à Constituição de 1988. "Até os dezesseis anos os jovens não podem trabalhar porque estão na escola”, assim reza o texto. Na verdade, até o momento, eles encontram-se na escola em um turno e, em seguida, desenvolvem várias atividades, inclusive degradantes, como o tráfico de drogas e a prostituição.
Portanto, para que se cumpra o texto da Constituição de 1988 as crianças e jovens precisam estar em tempo integral nas escolas, seja como um meio de retirá-las da rua, seja para que, de fato, consigam aprender.
Diante desta proposta do MEC em relação ao percentual de escolas funcionando em tempo integral e da preocupação com a despesa gerada pela medida, os deputados federais propuseram um percentual mais modesto, de 25% até 2020. Isto significa que se seguirmos este critério percentual a cada plano decenal, atingiremos a totalidade somente em 2050. Tal constatação é muito grave porque necessitamos corrigir rumos da educação e capacitar a população dentro dos próximos vinte e cinco anos, tendo em vista a evolução da distribuição demográfica da população brasileira.
Se em décadas passadas a distribuição populacional assemelhava-se a uma pirâmide de base larga e topo muito estreito, indicando natalidade elevada, aliada à mortalidade infantil e poucos idosos, no momento, esta distribuição aproxima-se do desenho de uma gota d’água, onde os indicadores são claros em relação à diminuição da mortalidade infantil, do índice de natalidade e do crescimento da população adulta e idosa.
Dentro de vinte e cinco anos, assim pensam os demógrafos, precisamos ter uma população ativa com grande força de trabalho, conforme o conceito de Samuelson, para dar conta das grandes despesas provocadas pelo envelhecimento da população. Tal força só será possível se a educação representar um diferencial em relação a esta geração. Eis a razão de minha preocupação quando constato que o ano de 2050 está além desses vinte e cinco anos fatais para a educação de uma geração que não podemos perder. Isto justifica, inclusive, mesmo que seja por um tempo determinado, a aplicação dos lucros do pré-sal em educação.
Quando se apresenta este tipo de planejamento escolar tem-se em vista uma grande transformação de toda a sociedade, inclusive de sua distribuição etária e suas consequências sobre a economia e o PIB nacionais.
Olhando o panorama histórico em relação ao trabalho e à permanência das crianças e jovens nas escolas, encontramos o Decreto 1313 de 1891 em seu parágrafo segundo, que proíbe o emprego de crianças a não ser como aprendiz. Daí em diante o embate seguiu a relação histórica de conflito entre o mundo agrário aliado a pouca tecnologia e a indústria incipiente dependente da importação de muitos componentes. Ao final da República Velha, em 1927, o país definia que "as crianças não poderiam trabalhar até os 12 anos de idade”. Nessa época nem a obrigatoriedade de quatro anos escolares existia, de modo que era possível conciliar a escola com o trabalho, embora muitos pelas necessidades das famílias organizadas em colonato deixassem as escolas tão logo aprendessem a assinar o nome. Esta é a razão de termos enfrentado um índice de 60% da população em estado de analfabetismo puro na década de cinquenta.
A revolução de 1930, refletindo, em princípio, o conjunto de ideais contrários ao coronelismo agrário, modificou um pouco a educação e o Ministério Capanema acabou trazendo à baila a obrigatoriedade do ensino de quatro séries. Assim, o antigo curso primário tornava-se obrigatório. Aliando-se essa medida ao que dispõe a Constituição de 1934, tínhamos a "proibição do trabalho para crianças e adolescentes até os 14 anos de idade”. As crianças que não aprendiam tornavam-se repetentes até desistir da escola. Se essa idade ultrapassasse o dispositivo constitucional estava liberada a mão de obra para o campo e a indústria.
Nem se falava em escola de tempo integral a não ser para famílias de renda elevada, senhores de engenho ou capitães de indústria que colocavam seus filhos e filhas em internatos, muitos deles confessionais e seminarísticos.
Muitos profissionais, hoje aposentados, passaram por este tipo de escola que, na sua realidade desenvolvia uma pedagogia simples e aliava aos estudos propedêuticos uma série de práticas tendo em vista o futuro da criança e do adolescente. Estes seminários cuidavam da formação intelectual e humana, quanto possível desenvolviam uma educação em tempo integral e, ao mesmo tempo, integral, ou seja, voltada para o desenvolvimento da pessoa humana.
Há poucos anos, conversando com o Professor Gaudêncio Frigotto, concluímos que um estudante daquelas escolas — e esta foi a nossa experiência comum — desenvolviam as letras e as artes, aprendiam um ofício, entravam em contato com a cultura musical, tinham experiência no campo agrícola e esportivo. E concluímos: se houvesse bom desempenho em, pelo menos, duas áreas, haveria êxito na vida!
As escolas de tempo integral eram, à época, preocupadas com a formação integral da pessoa. Portanto, fique claro que há uma diferença entre educação em tempo integral e educação integral.
Para que esta geração do início do século XXI logre êxito com as propostas do MEC, através do II PNE, os gestores precisam entender que não se cria este tipo de escola por decreto. Torna-se necessário investimento em espaço físico, preparação do corpo docente para desenvolver atividades de cunho artístico e cultural e, além disso, rever os planos de cargos e salários para que não tenham dissabores jurídicos diante das novas contratações, concursos e ordenações de despesas.
Trata-se de uma nova concepção de escola que, segundo a emenda 20 à Constituição de 1988, obriga a sociedade brasileira a retirar as crianças da rua e colocar todos os pobres nas escolas. Os menos pobres e, os mais bem abastados, sempre estudaram em tempo integral. Quando alguém reclama deste modelo, mesmo que questione a prática em função de alguma ideologia política, precisaria pensar bem antes de propalar suas ideias, dado que este modelo pode resgatar valores e direitos de uma população afastada da escola pelas condições sociais, mas que abriga em seu meio gênios da sociedade.
O estudo em tempo integral para crianças e adolescentes de famílias mais ricas envolve um período na escola e outro período nos cursos de línguas estrangeiras, música, lutas marciais, computação, esportes e recuperação acadêmica.
A maioria dos países desenvolvidos atua através de escolas de tempo integral. Assim descobrem seus gênios. Não é sem esforço que China e Índia reúnem cada um duzentos milhões de pessoas com inteligência de alto nível.
Sem uma educação em tempo integral e, ao mesmo tempo, integral enquanto preocupada com o desenvolvimento da pessoa humana, não recuperaremos os atrasos de nossa educação, não formaremos uma geração com o diferencial necessário dentro dos próximos vinte e cinco anos, nem atenderemos ao dispositivo constitucional, conforme a Emenda 20 da Constituição de 1988.
Prof. Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante. www.hamiltonwerneck.com.br
Hamilton Werneck
Hamilton Werneck
Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.
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