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Cego, surdo, mudo, paralítico e vendendo travesseiro
quinta-feira, 01 de agosto de 2013
Dizem que o pior cego é aquele que não quer ver. Nesta lógica até quando as empresas, mercado, infraestrutura e serviços vão ignorar os deficientes do país? Não adianta chamá-los de portadores de necessidades especiais, quando todo mundo insiste em não vê-los e, num ritual silencioso, nada muda, nada se move e ninguém fala do assunto. Onde está a deficiência de verdade?
A deficiência é do mercado, de marcas que tratam todos como um só, não na personalização, mas no extremo da massificação que só olha custos de produto, ignorando o custo social e de relacionamento. O mercado é deficiente mental, com sérias restrições do pensamento, que não consegue ter afeto ou se quer trato com portadores, familiares e amigos de portadores de necessidades especiais.
Cegos seguem sem ver qualquer preparo no mercado, e o mercado segue sem enxergar que suas limitações não atingem a capacidade de gerar riqueza desde que o próprio mercado ofereça condições mínimas de que este prospere. O mesmo acontece com os que param diante da imobilidade que o mercado oferta. Calçadas, prédios, lojas, recursos limitados acabam por impedir acessibilidade ao mais importante, conhecimento e renda. O mesmo é rotina no silêncio do trato com surdos e mudos ignorados nas mídias eletrônicas e na enorme, e cada vez mais insubstituível, internet.
O mundo segue investindo na venda de sonhos, mais que qualquer outra coisa. Vender sonhos é rentável. Nesta lógica travesseiros são dispostos no mundo dos diet, light, das cirurgias plásticas, dos regimes da moda, do milagre estético. O mundo da beleza fabricada segue prosperando, enquanto se vende solução para quem não precisa tanto ou pra quem, apesar de não ser consertado nunca, demonstra a certeza de que morrerá tentando. Os que se apresentam, diria, "sem solução” são esquecidos apesar do imenso potencial.
Tags e rótulos em braile, VTs com linguagem surdo-mudo, lojas que viabilizem no seu acesso e layout com mobilidade e independência ao cadeirante são exemplos de iniciativas ao alcance de todos.
Idosos são outra população ignorada em muitos consumos. Muitas farmácias, por exemplo, seguem sem barras de apoio, rampas de acesso, letras maiores, motoboys diferenciados (treinados ao trato com o idoso), etc, para citar algumas estratégias. O mercado de forma geral permanece olhando para eles sem diferenciação alguma, exceto as iniciativas de lei, mas letras permanecem pequenas, as embalagens sem pega e os pisos e estruturas sem adaptações. O mercado imobiliário, de celulares, de transporte, a própria máquina pública, parece que todos seguem ignorando.
Nós consumidores temos o papel determinante de forçar o mercado a tomar as escolhas que queremos; aliás, é assim faz tempo. Escolher marcas que respeitem não somente toda essa gama de consumidores que vivem a margem hoje mas que estejam de fato comprometidas. Precisamos de marcas que enxerguem pessoas, ouçam e falem de desejos e necessidades mais individuais, que se movam na direção de uma sociedade com mais bem-estar e que pensem que seu papel vai além de ganhar dinheiro, mas também de deixar um legado de desenvolvimento e oportunidade. Chega de marcas com tantas deficiências.
Roberto Mendes é publicitário, especialista em marketing pelo Instituto de
Administração e Gerência da PUC-Rio, pós-graduado em Engenharia Ambiental,
professor titular da Universidade Candido Mendes e sócio da Target Comunicação
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