A droga do álcool e a droga do controle

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A droga de escolha do alcoólico é o álcool, e a droga do familiar dele é o controle. Ou seja, o álcool é uma droga, e o controle também. Sempre que você quer controlar alguém, está preso, perde a sua liberdade, se deixa de lado. Você faz isso em parte porque pode ter aprendido erradamente desde pequeno que é responsável pelo bem-estar das pessoas, como se o equilíbrio emocional ou a felicidade delas dependesse absolutamente de seu comportamento. Então, você pode ter assumido erradamente a ideia de que precisa corrigir os outros, precisa fazer algo—e logo!—para que as pessoas se sintam melhor ou resolvam seus problemas. 
Uma criança que vive num ambiente familiar em que tem, por exemplo, uma mãe (ou pai) “nervosa” que não sabe controlar suas emoções, e que vive nervosamente dizendo para o filho: “Anda menino, tenho que sair agora, tenho dentista às 16h, por que você não está pronto para ir comigo?” Ela fala isso sem pensar no que diz, nervosamente, jogando culpa sobre o garoto que já estava pronto! Ele brincava com seu carrinho, já arrumado para sair, enquanto a mãe se preparava. Esse garoto, ouvindo e vivendo isso por anos, acaba adotando uma responsabilidade que não é dele, e assume falsa culpa do nervosismo de sua mãe. A mãe, nervosa e impaciente, solta palavras irritadas sem pensar no impacto delas sobre o garoto e ele introjeta a ideia de ser culpado do descontrole dela. Uma mãe com falta de autoconsciência. Ou pode ser um pai.
O controle é uma droga também e pode ter raízes, fundamento ou causa no fato de a pessoa controladora querer que as coisas funcionem como ela quer porque a fantasia é que assim ela se sentirá bem, estará feliz. Mas o que ocorre é que mesmo quando as coisas fora dela acontecem de maneira legal e boa, ela pode ainda se sentir mal por dentro. Isso denuncia que a solução do seu mal-estar emocional não é o que as outras pessoas fazem, mas é primariamente o que ela faz com ela mesma.
Abrir mão da tentativa de controle sobre as pessoas promoverá, então, um alívio, e a possibilidade de a pessoa controladora começar a ver e entender que seu sofrimento começa dentro dela mesma, e não fora, nos outros. Claro, ela pode conviver com uma pessoa complicada, como um alcoólico na ativa, mas é bem provável que a base de seu sofrimento esteja nela, em como ela trata ela mesma, a partir de como aprendeu a se tratarem sua família de origem. Ela pode ter aprendido a seguir um caminho, uma crença central, uma forma de pensar automática ruim para ela, e para com quem ela convive. Mas primeiro é ruim para ela mesma. 
Então, não funciona querer se sentir bem consigo mesmo a partir de tentar querer atuar na vida dos outros. Começar a ver que seu sofrimento começa dentro de você e que você já o trouxe, até certo ponto, para dentro de um relacionamento, pode doer muito a princípio, porque você sai da fantasia de que sofre basicamente porque o outro bebe exageradamente ou faz outra besteira, ou se comporta de uma maneira que você não gosta. Isso (o comportamento do outro) pode ser uma causa secundária de seu sofrimento, é verdade. Mas a causa básica pode ser realmente a maneira como você se trata, sem ser, claro, o que tem a ver com lutas espirituais que todos temos, não abordado aqui. E a maneira como você se trata tem muito a ver com a maneira como funcionou sua família de origem nos primeiros anos de sua infância e como você funcionou, como reagiu nessa família.
Se você trouxe de lá uma forma ruim de funcionar, com falsas culpas, pensamentos depreciadores de si mesmo que se transformam em comportamentos destrutivos para si mesmo, e se tenta compensar a falta de afeto (real ou imaginária) que sentiu com querer controlar os outros para ver se, assim, eles o(a) amarão como você quer, a responsabilidade é sua de cuidar de si mesmo e começar a se respeitar, se tratar bem, colocar limites primeiro para o seu eu autodestrutivo e depois para o eu destrutivo dos outros sobre você. 
Assumindo essa responsabilidade e começando a cuidar melhor de si mesmo(a) e deixando cada um ser o que cada um pode e quer ser nesse momento da vida você se sentirá e funcionará melhor na vida. Um dia de cada vez.

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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