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Monteiro Lobato, perdoai, pois eles não sabem o que falam
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Chamado de comunista, de traidor da pátria quando bradou aos quatro ventos a existência de petróleo no Brasil, lá pelos anos 30 de século passado, Monteiro Lobato deve estar dando cambalhotas em seu túmulo, ao ser taxado, agora, de racista. Numa época em que a presença da mulher de cor era obrigatória nas cozinhas brasileiras, Tia Nastácia, uma senhora negra de cabelos grisalhos, fez parte do imaginário de várias gerações que se deliciaram com as histórias de Pedrinho, Narizinho, Emília, a boneca de pano, do Visconde de Sabugosa e do Marquês de Rabicó. Apesar de analfabeta, a velha Nastácia tinha tiradas geniais e era o braço direito de Dona Benta na educação de seus netos, crianças que tiveram uma infância saudável e repleta de aventuras.
Os que leram os livros infantis de Monteiro Lobato curtiram suas histórias, aprenderam muito, tiveram boas noções de educação, bons costumes e disciplina. Melhor do que aqueles que se criaram lendo as histórias de um pato impotente (pois nunca comeu a Margarida) e de seus três sádicos sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho.
“A obra literária de Monteiro Lobato (1882-1948) tem alimentado gerações de crianças e jovens, e não consta que seus leitores tenham formado uma horda racista. Assim mesmo, mais um livro do escritor virou alvo nesta semana da caçada ideológica que tenta enquadrar o criador do Sítio do Pica Pau Amarelo no crime de racismo” (Depois de Caçadas de Pedrinho, o livro da vez é Negrinha). Essa afirmativa foi feita por João Luis Ceccantini, pesquisador de literatura infantojuvenil e coautor do livro “Monteiro Lobato – Livro a Livro”, um estudioso da assimilação da literatura por crianças. Ele acrescenta uma informação ao debate sobre Lobato que demole de vez os argumentos dos censores, que alegam que as obras do escritor prejudicam a formação das crianças. “Eu tenho estudado a forma pela qual as crianças absorvem o que leem e minha conclusão é que elas sabem identificar os excessos dos livros. Elas se apegam ao que é bom, à essência das histórias—e, no caso de Lobato, essa essência não é racista.”
Aliás, o posicionamento do Instituto de Advocacia Ambiental e Racial (Iara) gera absurdos como o presenciado por mim, durante uma reunião do Conselho Municipal de Saúde. Num determinado momento um conselheiro pediu a palavra e disse que se as discussões não seguissem uma sequência, elas virariam um verdadeiro “Samba do Crioulo Doido”. Foi o suficiente para uma representante do movimento afro de Nova Friburgo armar o maior barraco. Ora pois, essa música foi escrita por Sérgio Porto, grande jornalista e humorista da década de 60, sucesso das paradas musicais daquela época. Será que agora as rádios brasileiras serão impedidas de tocá-la por ter conotação racista e pejorativa? Ou Sérgio Porto deveria compor, em seu túmulo, o Samba do Branco Azedo?
O racismo seja da cor, da religião, da opção sexual, é algo que tem de ser combatido e denunciado, mas sempre se usando o bom senso, para não descambar para a intransigência. O exemplo das cotas para negros nas faculdades é emblemático. Acho que a verdadeira luta não é pela inclusão pura e simples e sim pela obrigação que os governos federal, estadual e municipal têm de prover um ensino público de qualidade. Se as escolas públicas tivessem condições de exercer seu papel, com certeza seus alunos, não importa a cor, teriam os meios de disputar uma vaga no mesmo nível dos alunos dos bons colégios particulares.
A contribuição de Lobato no gênero literário infantojuvenil não pode ser negada, é uma realidade, mas é claro que ela tem de ser modernizada, pois se trata de épocas diferentes, com costumes diferentes. Se mudamos para melhor ou não é outra discussão.
Max Wolosker
Max Wolosker
Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.
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