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Já aprendeu a lidar com a raiva?
Parte 2 de 2
Na parte 1 vimos que uma mulher ficou furiosa com seu marido numa lanchonete quando ele emitir uma opinião pessoal sobre um determinado assunto. Ela perdeu o controle, e surgiu uma discussão. A raiva tomou conta dela, gerando uma atitude ruim para ambos, evitável caso ela soubesse lidar com a raiva. Como?
É comum alguém com raiva violar limites entre o que fizeram/disseram, e a intenção deste alguém, a qual pode não ter sido atacar ou querer ferir. Na história, Carla agressivamente invadiu o espaço emocional de Ricardo sem parar para refletir que a intenção dele não tinha nada que ver com querer feri-la ou atacá-la. Quando a pessoa com raiva ataca, o outro se sente agredido e má compreendido. A sensação não é de que o ataque foi dirigido para o comentário, mas para a pessoa. Carla se sentiu ferida e viu Ricardo como querendo feri-la.
O casal falava sobre duas coisas diferentes. Carla evoluiu com raiva crescente diante do que Ricardo disse, e este tentava se defender do que lhe chegou como ofensa pessoal. Duas coisas diferentes! É como se um dissesse: “Minhas maçãs são melhores do que suas laranjas!” e outro retrucasse: “Não, minhas laranjas são melhores do que suas maçãs!”. Não diziam a mesma coisa e nem percebiam!
O diálogo tenso na lanchonete era sobre algo abstrato e de significado profundo para Carla. Ao Ricardo dizer que compreendia o comportamento da amiga deles—ter tido um caso com outro homem, enquanto seu marido morria de câncer—, ele não estava falando que isto era moralmente correto ou que faria a mesma coisa estando naquela situação. Mas foi o que Carla ouviu. No calor da discussão, cada um perdeu a visão do outro e do que cada um pensava e sentia. É comum a discussão sobre um assunto se tornar a discussão sobre muitos assuntos. A luta é como um forte ímã que atrai e pega todas as lutas não resolvidas do passado.
Que fazer? Primeiro: bloquear a escalada da discussão e manter o foco no tema levantado no momento, deixando de lado os problemas do passado. Segundo: não tentar negociar uma resolução enquanto um ou ambos estão furiosos. Em resumo: tão logo a discussão tensa comece, deve-se dar para a pessoa que está ficando enraivecida uns 10 a 15 minutos para que ela possa dizer ao outro o por que está com raiva, com o que ela acha que assunto se relaciona, e quais são os sentimentos abaixo da superfície da raiva que ela está comunicando.
Se tivessem seguido estes passos, poderiam ter dado um cessar-fogo logo que a discussão tivesse começado a crescer. Daí Carla poderia explicar de modo mais claro o impacto que os comentários de Ricardo tiveram sobre ela, então, poderia ter falado, ao parar e refletir: “Por que estou com tanta raiva?” E poderia concluir e dizer para ele: “Estou com raiva porque você parece sem coração. Olho para você e sinto que você está sendo muito lógico e razoável, mas que demonstra empatia de um sapo ou lagarto. Até onde percebo, você está agindo mais como um computador do que como um ser humano. Você tem respostas ‘lógicas’, mas não mostra ter compromisso ao falar isto.”
Se ela pudesse parar e pensar (e Ricardo permitindo ao evitar discutir), poderia ter refletido: “Qual é o problema?” E poderia ter dito a ele: “O que você disse me faz sentir que você me abandonará. Já que nunca tive bom relacionamento com meu pai, não me surpreenderia se você me largasse quando mais precisasse de você. Esta ideia me assusta terrivelmente ao você funcionar com lógica e frieza”.
Tendo serenidade, ela poderia ter se perguntado: “Que sentimentos tenho debaixo da raiva?”. Talvez concluísse: “Me sinto ameaçada. É como se seu compromisso comigo fosse parcial, e que você não estaria ali para mim. Ao você falar isto, me faz questionar se você me ama mesmo, ou se você se desconectaria de mim em certas circunstâncias. Entende agora como o que você disse me perturbou?”.
Quando se chega nos sentimentos debaixo da raiva, é comum que uma boa porção da raiva se dissipe. Ao você escutar a raiva sem interromper, pode com menos dificuldade compreender o impacto de seu comportamento sobre a pessoa. Seria bom se Ricardo tivesse percebido o quanto sua racionalização atingiu Carla. Seria bom se ele tivesse compreendido e empatizado com os sentimentos dela.
O melhor é: quando a pessoa enraivecida tiver tido a oportunidade de falar tudo, o companheiro(a) não deve responder nada. E, na medida em que o raivoso(a) foi ouvido(a) sem contra-ataques do outro, a dor diminuiu, a raiva passa, talvez dê para compreender a causa dela, então ambos podem começar a negociar o problema e tentar alcançar uma solução aceitável.
Editado de “Anger and how to handle it”, Maggie Scarf, 1992.
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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