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Apenas um pontapé no traseiro?
Tudo bem que o Sr. Jérôme Valcke foi grosseiro, pois na condição de representante da Fifa, deveria ter um pouco mais de fair play. No entanto, nada justifica o beicinho de nosso ministro do esporte, Sr. Aldo Rebelo, a não ser o fato de que a verdade quando proclamada aos quatro ventos dói muito. Em tempo, “donner un coup de pied aux fesses” significa ao pé da letra “dar um chute na bunda” e pode também ser traduzido no sentido figurado como ande, mexa-se.
Quando o Brasil se colocou como aspirante a sediar a copa do mundo de 2014, recebeu um caderno com as metas a serem cumpridas, no momento em que sua candidatura fosse aceita. Entre elas estava oferecer transporte público decente e rápido, vagas para hospedagem de acordo com o tamanho do evento, aeroportos bem-equipados e que, como porta principal de entrada dos turistas, fossem uma prévia das facilidades que eles aqui encontrariam. Nesse caderno havia também uma série de exigências para salvaguardar os interesses não só da Fifa, como também dos patrocinadores, entre elas a venda de bebidas alcoólicas dentro dos estádios, uma vez que um desses patrocinadores é um fabricante de cervejas.
Num país do faz de conta, estava claro que não faltariam percalços, mas é preciso enfatizar que ao ser escolhido como sede desse megaevento, ao governo brasileiro só cabia cumprir. Ajoelhou tem de rezar, diz o ditado popular. O grande problema reside no fato de 2014 ser um ano eleitoral, prato feito para político aparecer e se promover. Senão vejamos: a questão da meia-entrada para idosos e estudantes e a gratuidade para excluídos estão na contramão da história. Em primeiro lugar, uma copa do mundo não é uma simples ida a cinema ou teatro, mas um evento que envolve custos altíssimos cujo retorno depende, também, da venda de ingressos. Excluídos têm outras prioridades, muito mais sérias, e que o governo teima em não resolver. Será o acesso gratuito a estádios de futebol um simples cala-boca? Mas como propaganda eleitoral é imperdível: “Vote no José das Couves que garantiu um ingresso para os índios”; “para presidente(a) vote naquele(a) que se preocupa com o lazer dos excluídos”. Além disso, como garantir que os produtos de venda exclusiva dos fabricantes credenciados pela Fifa, não vai ser copiada num país que antes do lançamento de um filme em DVD, já existe cópias piratas sendo vendidas do Oiapoque ao Chuí?
Mas o mais grave são nossos aeroportos, verdadeiras estações rodoviárias maquiadas, onde o serviço de apoio é péssimo, o atendimento ao público um horror, o acesso uma peregrinação. Quem frequenta o “Galinhão” (coitado do Tom Jobim que empresta seu nome a essa coisa) sabe melhor do que ninguém que a taxa de embarque deveria ser paga ao passageiro e não cobrada. Elevadores estão sempre em manutenção, escadas rolantes idem, transporte público inexistente, táxis a um preço exorbitante. Junte-se a isso um trânsito infernal nas grandes capitais, com engarrafamentos quilométricos, dia e noite. Outra dor de cabeça para todos vai ser a disponibilidade de leitos; a coisa é tão séria que no Rio de Janeiro alguns transatlânticos vão ficar ancorados no porto, servindo de hotel flutuante, para aumentar a capacidade hoteleira da cidade. Ou seja, tudo deixado para a última hora, para ser resolvido a toque de caixa, a um custo muito mais alto.
Como a construção de estádios também está atrasada, nada mais justo que o secretário-geral da Fifa esteja muito preocupado, pois a copa do mundo é a vedete da entidade. Se ele dissesse que as autoridades brasileiras precisavam de um puxão de orelhas, talvez não provocasse tanta celeuma.
Max Wolosker
Max Wolosker
Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.
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