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Complexo de Cinderela - 26 de agosto.
Diz o conto que um príncipe desocupado cismou com uma gatinha que nunca tinha visto antes, da qual, tudo que ele sabia a respeito era que ela usava um sapatinho de cristal. Diante do fato de não ter dados, razões, informações sobre sua cisma, passou a andar de joelhos, calçando todo tipo de pé. O conto não conta, mas dá pra imaginar que ele acabou pegando frieira, chulé, bicho de pé, olhando unha encravada, joanete e outras coisas nada interessantes, em busca de um pé que calçasse tal sapatinho.
Dizem as más línguas que tudo que se sabe é que nesta caçada perdeu grandes oportunidades de conhecer outras mulheres mais interessantes, porque obstinado com sua cisma desperdiçou muito tempo olhando somente para os pés.
É provável que depois desta história o mercado erótico nunca mais tenha sido o mesmo, e que tenha se iniciado aí a tara que tantos têm em pés, mas vamos manter o foco na conversa e entender o que o mito de Cinderela tem a ver com os negócios.
Não raramente as empresas pegam sapatinhos de cristal, criados por seus empreendedores, e saem às ruas buscando cinderelas, princesas e outras beldades. Diferente do que narra a fábula, muitos pegaram uma lesão na coluna de tanto ficarem calçando sapatos, outros foram processados pelo Código do Consumidor porque o sapato de cristal quebrou facilmente e a imensa maioria morreu à míngua porque simplesmente o mercado não quer sapatos de cristal, mas sim de couro, plástico, lona, madeira, ferro etc.
Comumente empreendedores e empresas ignoram os pés e focam o sapato, ou seja, ao invés de produzirem sapatos de cristal na numeração que se deseja, se produz os sapatos em determinados números de acordo com os interesses do empreendedor, ou sapatos de material errado, de cor errada, de modelo errado, porque atendem a ‘achismos’ de quem produz ou com base em descaso a informação do que o consumidor quer.
O negócio das empresas é saber o que os donos dos pés desejam, se desejam, como, a que preço, aonde, quando, de que cor, aroma, formato, peso, resistência, quanto de glamour pretendem ter neste sapato etc. Investir mais tempo na pesquisa e desenvolvimento, no mercado, do que de joelhos calçando os sapatos errados nos pés errados. E tem mais, entender que os pés se transformam, crescem, criam calos, sofrem deformações, ou seja, os consumidores mudam, ampliam seus horizontes, têm seu poder aquisitivo ampliado, reduzido, alteram suas prioridades e gostos, enfim, somos por excelência serem mutantes, e empresas que nos virem como entidades cristalizadas ou ousarem matéria-prima tão inflexível como o cristal estão na verdade se alimentando da maça da bruxa e terão um futuro de sono profundo sem direito a beijo de príncipe, porque final feliz garantido, só em conto de fadas. Na vida real, tem muita bruxa, pouco príncipe e muita meia-irmã e madrasta invejosa.
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