Use bem e para o bem seus talentos no ano novo

quinta-feira, 09 de janeiro de 2014

"Certamente, a presença de habilidades surpreendentes pressupõe que a energia necessária em outras áreas foi canalizada para longe delas.” Allen Shawn, citado em "O Poder dos Quietos”, Susan Cain, 2012.

Novo ano. O que muda na nossa vida? As lutas são as mesmas? Podemos olhar adiante e ter esperança se considerarmos a estrutura da sociedade atual? Eu havia escrito dois terços desta matéria, quando apaguei tudo. Achei que estava negativa, predominava o pessimismo. Para o leitor ficaria a sensação (como ficou para mim, ao fazer a revisão do texto) de: "Iiiih! Este cara é um chato!”. E também pensei, ao revisar o texto quase pronto: "Estou chovendo no molhado! Todo mundo diz isto!”. Apaguei tudo e escrevi este outro. 

O texto acima diz que, se uma pessoa tem habilidades espetaculares em certas áreas da vida, é provável que ela tenha canalizado tanto as energias para esta(s) habilidade(s) que outras áreas/funções/capacidades ficaram prejudicadas. Será que não ocorre isto com todos nós? Craques de futebol (mais exaltados neste país do que cientistas, pesquisadores, professores) tem habilidades motoras surpreendentes. Marcineiros sabem lidar com a madeira de forma fantástica. Há cirurgiões supercompetentes. Podemos falar de atores, atrizes, cantores populares que são ótimos nos seus talentos artísticos. Há funcionários exemplares de empresas e lojas, compenetrados nas suas tarefas, que vestem a camisa da empresa. 

Todos estes indivíduos usam uma imensa energia mental e às vezes física para a prática do seu talento. Mas sabemos que alguns deles são extremamente pobres ou complicados "fora do palco”. Exemplo interessante: grandes comunicadores sociais são pessoas com importante dificuldade de comunicação em nível pessoal. Você já ouviu falar no ditado que diz: "Casa de ferreiro, espeto de pau.”? A gente não consegue ser tudo em todos os lugares, todo o tempo para todo mundo. Somos limitados. Eu quero repetir esta frase: somos limitados.

E ao desenvolvermos um aspecto de nosso ser, e nos tornarmos bons naquilo, provavelmente outras áreas da vida ficarão para segundo, terceiro, quarto plano, e nestes outros aspectos seremos fracos, insuficientes, e até medíocres. Muitos empresários riquíssimos, por exemplo, são ótimos na arte de ganhar dinheiro, mas são péssimos no relacionamento afetivo com as pessoas.

Leia de novo: "Certamente, a presença de habilidades surpreendentes pressupõe que a energia necessária em outras áreas foi canalizada para longe delas”. Quem é que consegue usar a energia física, mental, espiritual de seu ser em todas as áreas da vida?

Ao começarmos um ano novo seria ótimo se cada um pensasse nisto, reconhecesse que há várias áreas de sua vida, de seu ser, que são não bem desenvolvidas, e humildemente admitisse que todos precisamos de todos. Esta atitude pode impedir cobranças injustas de você consigo mesmo, de você para com os outros e dos outros para com você. Pode nos lembrar que precisamos da Polícia Militar, da Polícia Civil, dos bombeiros, da Justiça (Ministério Público, advogados, juízes, etc.), dos legisladores, dos prefeitos, dos lixeiros, dos padeiros, dos médicos, das empregadas domésticas, dos guardas de trânsito, dos caixas dos supermercados, do rapaz que transporta nossas compras pesadas para nosso carro no estacionamento, dos varredores das ruas, do radialista, do jornalista, cada um na sua função e bom na sua área. E o novo ano seria tão bom quanto mais cada um destes e de tantas outras atividades na sociedade, aceitasse suas limitações, e aproveitasse seus talentos para o alívio do sofrimento das pessoas, de qualquer pessoa. 

Vamos conseguir isto no ano novo? Temo que não, como grupo social. É triste. Mas infelizmente é real. Entretanto, você pode fazer sua parte. Na pior das hipóteses, no fim do ano você poderá olhar para trás e ver que usou bem suas energias para o bem comum. Poderá, fazendo o bem com seus talentos, dormir em paz, ter serenidade ao longo do ano, saber que foi útil para a humanidade, pois fez algo para diminuir dores que todos temos. 

Desejo no ano novo que a energia que você e eu canalizamos para alguns talentos que temos seja usada para o bem de todos. Estou dizendo "bem de todos”, não algo egocêntrico, só para você e/ou só para sua família. Gosto do psicólogo Erich Fromm quando ele diz no livro "A arte de amar” que o amor maduro é por todas as pessoas. 

Sei que meu desejo para todos nós acima demonstrado parece ingenuidade num mundo corrupto. Parece água com açúcar, ou dita por alguém que está no "mundo da lua”, fora da realidade, não é? Mas sei que é de real benefício para quem não deixar que as outras áreas não bem desenvolvidas em seu ser, em seu caráter, especialmente o egoísmo e o orgulho, floresçam e causem os estragos que vemos todos os dias perto e longe de nós, especialmente praticados por aqueles indivíduos que prometeram cuidar bem da sociedade. O bom ano novo é feito por cada um de nós e só será bom mesmo se vencermos o egoísmo, o orgulho e a corrupção de nosso caráter, e se usarmos nossos talentos para o benefício da humanidade, nem que seja só do nosso vizinho. Bom ano novo para todos nós!

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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