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Tudo bem? Como se sente?
O título acima “Tudo bem?” é uma pergunta que fazemos para as pessoas e elas nos fazem também diariamente. Em geral respondemos da mesma forma, dizendo: “Tudo bem!”, mesmo que algumas coisas estejam ruins em nossa vida no momento. Você conhece alguém que esteja com tudo bem na vida dela?
Há alguns anos estudei na Argentina e tive aulas sobre aconselhamento numa faculdade com um psicólogo que tinha vindo dos Estados Unidos para lecionar. Ele era simpático e ao cruzar com alunos e outras pessoas no campus da universidade, não perguntava “Todo bién?” (“Tudo bem?”), mas sim “Como te sientes?” (“Como se sente?”).
A pergunta “Como se sente?”, é muito mais pessoal, não é? Claro, as pessoas podem respondê-la meio mecanicamente e, preservando sua privacidade, dizer “Me sinto bem!”, mesmo sentindo péssimas. Claro, não temos que falar toda a verdade pessoal para qualquer um. Mas é bom falar a verdade com a gente mesmo na busca do sentir bem.
Os filósofos usam a expressão “angústia existencial” para se referir à um mal estar interno, que todos experimentamos, que não pode ser resolvido com nenhuma medicação ou terapia psicológica. Neste sentido, todos possuímos esta angústia. Mesmo a pessoa que se diz a mais feliz, mesmo a mais rica, mesmo a mais espiritual.
Podemos responder com a verdade à pergunta: “Tudo bem?”, ou “Como se sente?” dizendo, “Me sinto bem, menos esta angústia da vida.” Mas nem eu, nem você e nem as outras pessoas dizem isto, não é? Ficamos no “social”, no superficial e dizemos “Tudo bem!”, e às vezes seguimos com lágrimas na consciência, ou no inconsciente.
Estamos indo para a morte. Isto é inevitável. Por isso, consciente ou inconscientemente todos temos a angústia da morte. Claro, ela pode ser negada através de falar muito, não pensar nela, comer demais, trabalhar compulsivamente, por ambição desmedida etc. Salomão por 40 anos foi rei em Israel nos tempos do Antigo Testamento. Num de seus escritos, disse ele que é melhor entrar na casa do pranto por causa de um falecimento, do que numa casa de festa com todos rindo, porque onde há pranto e morte, pensamos melhor sobre a vida, sobre a angústia existencial e sobre nossa finitude.
Será que a forma como vivemos hoje indica que fugimos da casa do pranto, e, portanto, do pensar que somos finitos? Será que fugimos da percepção e aceitação da angústia da vida, e sempre dizemos “Tudo bem!” até para nós mesmos? Ao procurarmos encarar a realidade pessoal, mental, comportamental, e vemos que não está tudo bem em nosso caráter, e que existem defeitos graves, isto pode ser muito rico e favorecedor de luta por mudança positiva. É como entrar na casa onde há pranto.
Esta semana ouvi notícias sobre o aumento da produção industrial, melhoria nas vendas no comércio e queda dos juros em nosso país. A economia está melhorando. E a saúde mental? Não, ela não está melhorando. As doenças mentais não estão diminuindo. Isto não quer dizer que eu e você não podemos ser feitos melhores pessoas. Podemos. Então, é importante vivermos hoje de tal modo que possamos ser fortalecidos para enfrentar a angústia amanhã, porque ela virá à consciência para os que ainda a negam ou fogem dela. Tempos de angústia estão à frente, como nunca houve antes. E quando ela chegar à sua consciência, o que você fará, ou o que ela fará com você?
Diante da inevitável angústia pessoal da vida, fará bem pensarmos sobre o que podemos fazer para o benefício da comunidade. Isto não tem que ver com um novo partido político, novo candidato, novo marido, nova esposa, novo carro, nova casa. Mas em termos uma maneira consciente, forte, construtiva, saudável de lidar com nossa angústia da vida, para que o resultado se revele por motivações de benefício real para comunidade, para o alívio do sofrimento. O que você tem feito na vida alivia o sofrimento das pessoas? Como você se sente ao pensar no significado de sua vida? Pode você dizer honestamente que tudo está bem, apesar da angústia existencial que seguirá até o fim?
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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