Somos perfeitamente imperfeitos – mas podemos amadurecer

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Pia Melody, em seu excelente livro “Enfrentando a Codependência Afetiva”, diz que nós, seres humanos, somos perfeitamente imperfeitos. Maturana afirma que temos o direito de mudar de pensamento, o direito de errar e o direito de ir embora. Isto tem um gosto de liberdade dentro de nossa extrema limitação e fragilidade humanas. Não podemos, definitivamente, estar certos, ser fortes, não falhar, o tempo todo. Não admitir isto é estar num caminho de certa cegueira mental. Aquele que não sabe que não sabe, pensa que sabe.

Como é difícil para muitos admitir a impotência diante de algum fato ou de alguma característica pessoal indesejável, não é? Por quê? Por que o medo de admitir nossas imperfeições? Por que fingimos, muitas vezes, que podemos tudo, que sabemos tudo, que somos muito melhores que os outros, mais rápidos, mais sábios, mais espertos, mais ágeis, mais bonitos? Por que não amamos a diferença e a respeitamos no outro? Por que queremos que façam e sejam como nós?

Acho que a resposta para tais questões passa pela dificuldade de amar incondicionalmente. Geralmente “amamos” se... Se nos dizem que somos bonitos, se elogiam nosso trabalho, se nos tratam com cortesia, se nos dão dinheiro, se nos dão carinho, se nos valorizam, se...se...se... Que diacho! Como posso amar e também ser amado sem esse “se”? Como amar e ser amado apesar de ser o que sou e apesar de fazer o que faço, pensar o que penso, sentir o que sinto?

Temos que aprender a cuidar de nós mesmos. Abaixar as expectativas. Ou até acabar com elas. Viver nossa vida e deixar os outros viverem as deles. E isto não significa distância afetiva ou frieza para com o semelhante. Significa simplesmente viver nossa vida. Muitos vivem mais a vida dos outros do que a própria. E talvez nem se apercebem disto, até que algo aconteça em sua vida ou em sua pessoa, como uma doença, uma depressão, uma crise qualquer. E dói. Mas que dor maravilhosa é esta quando nos atinge para nos sacudir e nos fazer acordar para a vida. Para começarmos, quem sabe, finalmente, a viver nossa própria vida.

Aprendemos, então, a colocar limites para os diferentes tipos de abusos que certas pessoas praticam em nosso relacionamento com elas. Aprendemos a descansar sem culpa. Aprendemos a dizer “não”, quando antes só dizíamos “sim” para não magoar os outros, como se eles fossem frágeis e incapazes de receber nosso “não”, e porque ainda achávamos que dependíamos da aprovação deles para ter paz, autovalor, significado. Descobrimos com mais consciência nossas atitudes egocêntricas, manipuladoras, controladoras sobre os demais, e paramos, passo a passo, de agir assim. Isto nos liberta e dá liberdade aos outros, até para irem embora e serem diferentes de nós, e também decidirem se nos querem ou não. Porque também passamos a poder decidir melhor e com firmeza o que queremos e se queremos o que antes nem sabíamos o que queríamos, ou sabíamos, mas negávamos para nós mesmos nossos desejos e preferências. Chega disto, não é? Você pode parar de se tratar mal. E uma maneira de se tratar mal é só tratar bem o outro, e deixar você de lado. Isto é ser cruel consigo. Pare com isto! Você não precisa continuar assim, mesmo sendo uma pessoa perfeitamente imperfeita.

Para viver bem nessa imperfeição pessoal e social, precisamos aceitar essa imperfeição. Aceitar não é não fazer nada. Não é se colocar submissamente de forma doentia na vida e nos relacionamentos. Não é desistir de viver. Não é deixar os outros tomarem conta de nós e nos anular. Não é se anular para agradar e perder nisto a própria identidade e a liberdade de ser.

Agir é muito mais fácil. Ou melhor, reagir. Alguém é rude com você e você retruca. Alguém lhe machuca e você retribui. Alguém age desonestamente com você e você faz o mesmo. Reagir. Esta é uma postura bem imatura. Fácil ser assim. Vivemos num mundo que reage o tempo todo e defende esta ideia, como se não fazer isso fosse ser bobo, enquanto que pode ser exatamente o contrário, porque agir com consciência é diferente de reagir com a emoção. Bem mais difícil é não reagir e, em vez disto, pensar. E aprender a se proteger porque você é uma pessoa digna.

Se você tem que brigar em algum momento, que seja para cuidar de si mesmo. Não para atacar qualquer pessoa. Perdemos quando atacamos. Deixe o outro brigar sozinho. Tem gente que não consegue viver sem brigar. Problema dela. Neurose dela. Não reaja a isto. Evite este jogo doentio. Você não precisa disto, não porque é melhor do que a outra pessoa. Mas porque você consegue estar numa outra dimensão emocional, um pouco mais adiante da média chamada “normal”. Este outro que incita o reagir, é alguém perfeitamente imperfeito, igual você. Só que você, agora, compreende que é melhor viver de outra maneira. Não precisa mais se envolver em brigas desnecessárias. Agora você quer viver sobriamente, serenamente. E não vai mais deixar que alguém, que ainda não consegue ou não deseja isto, tire ou perturbe sua paz. É assim. Você continua perfeitamente imperfeito. Só que um pouquinho mais perfeito e um pouquinho menos imperfeito. Lindo esse caminho, não é? Difícil, mas muito lindo. Continue nele. Vá com calma, mas vá. Um dia de cada vez. Fique na paz!

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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