A síndrome do porre seco

quinta-feira, 04 de janeiro de 2018

É você uma pessoa chata? No trabalho, na comunidade religiosa, em encontros sociais, as pessoas gostam de estar em sua companhia ou se afastam de você? A expressão “porre seco” é usada entre os membros dos Alcoólicos Anônimos (AA), grupo de ajuda mútua responsável pela recuperação de cerca de 40% do alcoolismo mundial, segundo o dr. George Vaillant, psiquiatra e autoridade em alcoolismo da Universidade de Harvard.

Em membros de AA há dois grupos de pessoas: 1 - Os que se recuperam do alcoolismo, evitando o primeiro gole de bebidas alcoólicas, mas que param nisto, ou seja, param de beber mas continuam com complicações de caráter que afetam seus relacionamentos, e  2 - Os que param de ingerir bebidas alcoólicas e se interessam em buscar mudança do comportamento, para o aprimoramento do caráter. 

Características de uma pessoa que vive o “porre seco” sendo membro dos AA incluem: 1) Tendência em exagerar; 2) Conduta infantil; 3) Insatisfação persistente; 4) Negação de sua realidade não alcoólica; 5) Racionalização de seus problemas neuróticos; 6) Persistência dos problemas familiares; 7) Conduta inadequada no grupo de AA e 8) Angústia e depressão recorrentes (que vão e voltam).

Abstinência é diferente de sobriedade. A abstinência é só o primeiro passo de quem decidiu reabilitar-se, mas a verdadeira meta é a sobriedade. Abstinência é simplesmente deixar de beber, mas sem avançar para uma verdadeira mudança nos defeitos de caráter e velhos hábitos que conduziram à uma vida desgovernada, enquanto que sobriedade implica não só em deixar de beber, mas também experimentar gradativamente uma profunda mudança de todos os aspectos negativos da personalidade.

Vamos ver numa breve análise o significado das características da pessoa que vive o porre seco. E você pode aplicar em sua vida estes conceitos fazendo uma autoanálise honesta para ver em que precisa mudar, mesmo que não tenha problemas com álcool: 

Tendência em exagerar – dificuldade em ter equilíbrio emocional, estando num extremo ou em outro, se acha poderoso, mais inteligente que os outros, crítico das pessoas, dono da verdade, vive acima de sua condição financeira, irritadiço, impaciente.

Conduta infantil – se aborrece facilmente, se desorganiza, inconstância, não termina o que começou, continua ligado às dependências emocionais do passado, esperando que os outros resolvam seu problema, tem dificuldade em fazer amizade profunda, sensível demais, parece criança pirracenta. 
Insatisfação persistente – dificuldade em analisar sua angústia pessoal, seu conflito, dificuldade de interiorização ou reflexão sobre si mesmo, viver no pessimismo e cheio de sensação de culpa, tendência a criticar tudo.

Negação de sua realidade não alcoólica – continuar soberbo, egoísta, dependente, imaturo, mas não aceitar que possui estes defeitos de caráter. Tendência a culpar o álcool, por tudo, sem admitir a tendência neurótica de sua personalidade. Para ele a única coisa importante é “deixar de beber”, e pensa que graças à abstinência já tem chegado à perfeição. Não tolerar crítica sincera dos outros. 

Racionalização de seus problemas neuróticos – antes justificava o beber exagerado com vários argumentos e agora tende a justificar os problemas de caráter com pretextos imaturos. Ainda que não negue as suas próprias faltas, procura escondê-las do conhecimento dos demais, usando como argumento a lista de erros de sua família, amigos, patrão, médico, companheiro de grupo ou de qualquer pessoa, sobretudo da investida de autoridade. É pessoa resistente à receber ajuda espiritual ou psicológica com argumento de que só ele entende de alcoolismo, sendo isto fuga de encarar problemas pessoais.

Persistência dos problemas familiares – mantém problemas com a família como tinha antes de ficar abstêmio, discute com esposa e filhos, guarda ressentimentos, ciúme exagerado, infidelidade, dependênciaimatura da mãe ou da esposa.

Conduta inadequada nos grupos de AA – crítica ao companheiros que servem, fofocar, atraso nas reuniões, atitude de sedução de membros do sexo oposto, indiscrição.

Angústia e depressão recorrentes - se sentir inquieto, irritável, não satisfeito em nenhum lugar, insônia, medos inespecíficos, sensação de opressão no peito e “vazio” no estômago, dores nas costas, pode tornar-se violento, ter tristeza, autopiedade, sem esperança, se automedicar com calmantes, pode usar maconha, etc.
A possibilidade de uma recaída em um alcoólico “seco” é dez vezes maior do que em um alcoólico sóbrio. Na maioria das vezes a síndrome do porre seco é somente o reflexo de uma neurose ou um grave transtorno de personalidade, que necessita da ajuda psiquiátrica, além da oferecida no programa de Alcoólicos Anônimos.

Talvez você não tenha problemas com álcool, mas como todos nós, pode precisar de ajustes, de mudanças no caráter. Insanidade é manter o mesmo jeito de pensar, sentir, agir e querer resultados melhores e diferentes. A gente muda quando a gente muda.

Fonte: https://passeamensagem.wordpress.com/2013/06/08/retorno-ao-basico-a-sindrome-do-porre-seco/

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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