Sentimentos de inadequação

quinta-feira, 04 de abril de 2019

Muita gente vez ou outra se sente inadequado. Pode ser uma pessoa brilhante profissionalmente, ter boa casa, trabalho com ótima remuneração, amável cônjuge, filhos saudáveis, mas tudo parece não suficiente. Já experimentou ou experimenta isso? Uma pessoa com este tipo de “sentimento de inadequação”, geralmente tem pensamentos recorrentes tipo: “Eu deveria conseguir outro grau acadêmico!”, “Deveria ganhar mais dinheiro!”, “Deveria comprar mais um imóvel!”, “Deveria estar no lugar do dono da empresa onde trabalho!”. Estes “deveria” atormentam este indivíduo no dia a dia.

Muitas vezes estes sentimentos de inadequação têm raízes em situações familiares vividas ao longo da infância e adolescência, quando pode ter ocorrido uma dinâmica familiar em que o filho, ou filha, que agora na vida adulta se sente inadequado, viveu tensões com seus pais. Por exemplo, pais exigentes que pressionavam um filho introvertido para interagir com os outros, sem levar em consideração que uma criança introvertida não tem que ser sociável como talvez seu irmão extrovertido.

Ou pode ter ocorrido na infância desta pessoa que se sente inadequada na vida adulta, outros tipos de cobranças, ou tensões que geravam naquela criança sentimentos de “nunca sou boa o suficiente para meus pais”, “nunca consigo agradar meu pai”, “nunca consigo ser bom filho para minha mãe”. Importante dizer que não é que os pais, só o pai ou só a mãe, ou ambos, eram maus. Pais que são bons para seus filhos e os amam de verdade, cometem erros porque todos somos imperfeitos. Mas algumas crianças, as mais sensíveis, podem interpretar de modo negativo os erros dos pais e trazer a coisa muito fortemente contra elas, se depreciando, se desvalorizando.

Então, o que produzirá sentimentos de inadequação (ou outro sofrimento mental na vida adulta) não surgirá por causa de erros dos pais, mas porque aquele filho ou filha mais sensível interpretará de maneira trágica o evento, se sentindo negativo, desamado, rejeitado. Claro, há situações em que o pai e/ou a mãe foram realmente agressivos, abusivos, negligentes, violentos, causando traumas difíceis no comportamento da criança. Porém, muitos sofrimentos psicológicos nos adultos têm origem mais na maneira de interpretar o que ocorreu, do que aquilo que aconteceu.

Uma criança não nasce com sentimentos de inadequação. Quando um pai/mãe constantemente impaciente grita nervosamente com uma criança, a tendência desta é sentir que ela está errada e não quem foi verbalmente abusivo com ela. Porque a criança precisa preservar na mente dela que aquele que cuida dela (geralmente o pai, a mãe), está correto, já que seria muito angustiante pensar que ela está sozinha e terá que se virar para achar amor em outro lugar, porque o cuidador não a ama adequadamente.

Crianças que foram vítimas de abusos verbais na infância, crescem com sentimentos de vergonha, porque erroneamente se sentem culpadas por erros que não foram delas, mas do pai ou da mãe, ou de ambos, nervosos, impacientes, agressivos com elas lá atrás quando eram pequeninos. É como se na cabecinha da criança tivesse um pensamento “Deve ter algo errado em mim para que papai/mamãe fiquem tão nervosos!”, “Eu devo ser uma pessoa má para ser maltratada assim!”. A verdade, porém,  é que o erro está não nela, mas no pai/mãe que não exerce autocontrole emocional e machuca a criança.

Estes sentimentos dolorosos podem acompanhar a criança até a vida adulta, quando 20, 30 anos depois, agora já adultos, experimentam sentimentos de inadequação. Assim, sentir que “falta algo” tendo tudo o que produziria bem estar, pode ser um subproduto do ambiente infantil que não preencheu o afeto, não forneceu aceitação adequadas.

O sentimento de inadequação trazido do passado é “apenas” um sentimento, não uma realidade. O desafio agora na vida adulta é aprender a mudar este sentimento desagradável em um agradável. Como fazer isto?

Comece com o exercício: sente-se num local confortável e calmo onde não ocorram interrupções. Coloque uma cadeira à sua frente e imagine você ali quando criança, talvez com 7 anos de idade. Pergunte a si mesmo o que aquela criança sentia naquela idade quando o pai/mãe agia abusivamente. Escute a criança. Diga para ela que ela não era errada, inadequada, culpada do “nervoso” dos pais. Dê colo para ela, um abraço também e reafirme para ela que ela é sim adequada, digna de ser amada. Ela é você. Você não é inadequado. Treine fazer isto. Agora o bom pai, a boa mãe para você, é você mesmo.

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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