A raiva no casamento – uma introdução

quinta-feira, 15 de março de 2018

Saúde mental tem muito que ver com ter emoções mas não deixar que elas tenham você. Difícil isto? Sim, é difícil. As pessoas em geral estão ou num extremo de terem dificuldades na expressão de sentimentos, ou num outro extremo de serem frequentemente dominadas por eles. 

Uma das emoções difíceis de se controlar e expressar adequadamente é a raiva. A raiva é um sentimento importante para nossa saúde mental. É ela que nos auxilia a colocar limites para nos proteger de abusos dos outros. Crianças que foram educadas como se ter raiva fosse errado, ao crescerem não sabem se defender porque podem reprimir a raiva que, devidamente expressada, as protegeria.

Porém, raiva excessiva é uma das maiores ameaças para a saúde no casamento. Estudos mostram que a raiva exagerada predispõe adultos a terem ataques cardíacos. Você é uma pessoa raivosa no casamento? Vive explodindo com seu cônjuge? Percebeu como esta atitude de descontrole emocional piora o relacionamento? Quer melhorar? 

Uma pesquisa (Proulx C. et al., 2009) demonstrou que casamentos infelizes estavam com um fator de risco para produzir depressão e estavam associados com 25 vezes a mais do que casamentos felizes. Verificaram que quanto mais o comportamento do marido ou da esposa era hostil e antissocial, mais deprimido o cônjuge ficava após três anos. Os pesquisadores encontraram um aumento de dez vezes no risco de sintomas depressivos associados com discordâncias matrimoniais recheados de raiva. Também a raiva no contexto do casal estava associada com o aumento da pressão sanguínea arterial, prejuízos na função da imunidade e prognóstico ruim para os cônjuges com doença arterial coronária e insuficiência cardíaca congestiva. 

Em 2016 foi feito um estudo global envolvendo 12 mil pessoas que tiveram pela primeira vez um ataque cardíaco. Foi verificado que ser uma pessoa raivosa mais do que dobrou o risco de ter um ataque cardíaco quando compararam o comportamento das pessoas nos 60 minutos antes do início dos sintomas do ataque do coração com o mesmo tipo de comportamento 24 horas antes. (Smyth, A, Circulation, 134: Oct. 11, 2016). 

O professor dr. Adib Jatene, falecido em 2014 – que coisa! – por um infarto agudo do miocárdio, foi cientista, um dos pioneiros em cirurgia cardíaca no Brasil, e disse certa vez que o que mata o paciente coronariano não é trabalhar muito, é a raiva. A presença de raiva entre esposo e esposa fere a cada um e perturba o relacionamento produzindo barreiras no sentido da pessoa não-raivosa ter medo de se abrir para dar e receber amor, altera a confiabilidade, gera medo crônico de ser ferido, cria distância, conduz para a tristeza, solidão e ansiedade, perturba o senso de valor próprio, pode aumentar as tentações sexuais, contribui para a ingestão de bebidas alcoólicas e outras compulsões. 

A predominância de raiva no relacionamento matrimonial também perturba os filhos porque eles ficam com medo dos pais se separarem, sentem a perda do sentimento de segurança no lar, podem apresentar sintomas psicossomáticos, tristeza e ansiedade, perda da confiança nos pais ou em um deles, e podem adotar um comportamento também raivoso, explosivo, pelo exemplo ruim que o pai e/ou a mãe dão.

Basicamente existem três métodos sobre como lidar com a raiva. O primeiro é através da negação que pode ser consciente ou inconsciente. Negação é um mecanismo de defesa no qual a pessoa diz não ter um pensamento, sentimento ou comportamento que, na verdade, ela tem. O segundo método de lidar com a raiva é pela expressão dela, que pode ser feita de forma honesta com equilíbrio, ou de maneira sutil ou sorrateira, por exemplo, quando um marido que tem dificuldade de expressar a raiva de forma transparente, “esquece” de levar para casa algo importante que a esposa havia pedido. 

Um terceiro jeito de lidar com a raiva é pelo perdão. A pessoa perdoa aquela que tem dificuldade de administrar a ira. Este terceiro tipo de atitude, o perdão, tem seu lugar, seu tempo, e precisa ser praticado com sinceridade, mas sem que com isso se permita uma perpetuação da atitude agressiva do outro. Porque para tudo há um limite. É preciso perdoar, mas também parar com a perda de controle da raiva que machuca as pessoas. 

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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