Que mais além da sobriedade?

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Muitas pessoas procuram grupos de auto-ajuda, para problemas variados, como alcoolismo, comer compulsivo, neuroses etc., e conseguem vitórias maravilhosas sobre aquilo que era o problema principal. Param de beber, ficando sóbrios, controlam o comer compulsivo, evitam a perda do controle emocional, etc.

Parece ser importante pensarmos, entretanto, que podem haver outros problemas no íntimo da pessoa que precisam ser resolvidos também, além daquele que a motivou a procurar o grupo de ajuda anônimo. Por exemplo, uma pessoa dependente do álcool procura os Alcoólicos Anônimos, passa a freqüentar as reuniões e faz o programa de AA, para de beber, fica sóbria, e se sente vitoriosa por permanecer sóbria.

Isso produz alívio para a família, que deixa de viver os prejuízos físicos e emocionais que o alcoolismo leva o alcoólico a realizar, produz alívio também, claro, para o próprio alcoólico, pois seu corpo e sua mente deixarão de ser intoxicados com o álcool, o que melhora a qualidade de vida em geral.

Entretanto, há pessoas que param por aí, ou seja, fazem o programa parcialmente. Param de beber somente. Parar de beber é uma parte do que deve ser conseguido para que a alma possa ser curada. Quando falo “alma” quero dizer a pessoa toda, o indivíduo no seu mais profundo. Gosto de uma expressão que é usada nestes grupos, chamada de “despertar espiritual”.

Uma pessoa pode parar de beber e se tornar sóbria por vários anos, mas não prosseguir no programa para alcançar o despertar espiritual. Isso, provavelmente, poderá causar frustração e um vazio, e a pessoa que parou de beber pode se questionar: “Por que parei de beber e ainda estou infeliz e causando infelicidade aos outros? Por que não estou bem comigo mesmo?”

A resposta só poderá ser obtida se a pessoa seguir o programa total, não só parcial. Só com o despertar espiritual poderá haver preenchimento interior de algo que substituirá o prazer que o álcool (ou a comida, ou o controle sobre os outros, ou a cocaína, etc.) produzia. Este despertar espiritual não significa que você tenha que entrar para uma igreja, mas sim receber luz para ver seus defeitos de caráter e suas qualidades como ser humano, pedindo ajuda para que os defeitos de caráter sejam removidos e novas virtudes sejam instaladas em seu caráter.

É assim que, entendo, o que é o despertar espiritual. É uma forma de psicoterapia (tratamento psicológico) muito eficaz, que não precisa ser realizada por profissional, e que pode ser obtida nestes grupos gratuitamente. Mas não só nos grupos de ajuda mútua, especialmente os que usam os 12 passos é possível obter este despertar espiritual que conduz à cura do caráter. Você pode conseguir isto quando, individualmente, deseja e busca ativamente compreender o que precisa ser mudado em seu caráter, quando fica com a mente aberta para a verdade, querendo a verdade, e buscando-a.

O processo de cura, que é gradativa, não ocorrerá no espaço físico do grupo, mas em qualquer lugar em que você esteja desde que lance mão do aprendizado que os grupos ensinam através dos depoimentos, da literatura, e da eficaz ação de um poder superior, de Deus conforme você o concebe, e que eu chamo de Deus Criador.

Ficar sem o álcool (ou sem aquilo que produzia alívio superficial e temporário do sofrimento) e sem o despertar espiritual, exige da pessoa uma luta muito difícil. Mas se ela prossegue na busca do crescimento interior, do qual o parar de beber (e qualquer outra compulsão) é apenas uma parte, certamente encontrará algo mais que poderá produzir paz, serenidade e satisfação, não somente para si, mas também para os que com ela convivem, pelo menos do que depender de você.

Isto não significa que as dores desaparecerão da vida. Significa que elas não mais irão travar sua vida, você não ficará mais preso ou estagnado por causa delas, você não mais será dominado pela dor inevitável.

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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