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Pessoa “resolvida” não tem problemas? - 2 de junho 2011
Martha Medeiros é escritora, já tendo publicado 19 livros, colunista do Zero Hora (jornal do Rio Grande do Sul) e de O Globo; e foi lançada uma minissérie chamada Divã, de texto dela. Na revista de bordo da companhia aérea Gol (n.109, p. 78, Abril 2011) há uma parte da entrevista dela com o jornalista que gostaria de reproduzir aqui e fazer algumas considerações para nossa vida.
A jornalista fez a seguinte pergunta para Martha: “Você parece tão resolvida, independente. Por que resolveu fazer terapia agora?” E ela respondeu: “Ah, resolvida nada. Tive de fazer terapia porque saí há pouco tempo de uma relação dificílima. Às vezes estou mal, não sei o que fazer, pego um texto meu de cinco anos atrás e falo: ‘Nossa, essa Martha Medeiros é boa mesmo!’ Porque é mais fácil ser resolvida no texto, com edição”.
Claro, é mais fácil ser forte, aparentando não ter lutas interiores, num texto, numa representação artística, na condução de uma empresa, do que na intimidade do ser.
As emoções flutuam e por isso não podemos basear nossa felicidade nelas. As emoções ou sentimentos são muito importantes para nossa saúde. Elas influem em nossa fisiologia mais do que pensamos e cremos. Muitas doenças físicas que nos afligem têm origem na mente, e só quando compreendemos isto e fazemos algo a respeito, é que elas podem ser resolvidas.
A pessoa forte não é a que não tem problema ou não tem angústia. É aquela que sabe que tem, discerne a angústia, e quando ela se apresenta, não se apavora, exercendo paciência, reflexão, tolerância, assumindo atitude humilde diante dela.
Os jovens do século XXI têm crescido com baixa tolerância à frustração e angústia. Diante desta fraqueza emocional, a irritação é comum, a agressividade também, porque o indivíduo quer o que quer na hora que quer. Não sabe esperar. Geralmente um dependente químico, por exemplo, não sabe esperar, não tem paciência, não tolera frustração e nenhuma angústia. Quando qualquer angústia surge, ele já quer a droga de escolha. Mas isto ocorre também com empresários, donas de casa com alto poder econômico e profissionais liberais que não sabem lidar com a angústia consciente. Só que ao invés deles procurarem necessariamente uma droga química, podem se envolver obsessivamente no trabalho, na aquisição de bens, em compulsão para compras, em relacionamentos amorosos, etc.
Felizmente há os que aprendem a lidar com a dor. Estes sabem que há oscilações dos sentimentos e não se apavoram com isto. Sabem que nessa vida há dor, e que a felicidade não é a ausência dela, mas é o fortalecimento interior para lidar construtivamente com a dor que não dá para não ter.
A pergunta, um tanto com ar de surpresa, da jornalista para Martha Medeiros, revela a contaminação da mídia que passa para a sociedade mais a mensagem de “você TEM que ser feliz agora de qualquer jeito, e o produto X, ou a pessoa Y, ou aquele cargo lhe dará isto”, do que “você pode ser feliz, mas isto envolve lidar também com a dor, enfrentar dias difíceis em que os sentimentos não estão agradáveis”.
Não siga a multidão. Não tenha medo da dor. Viva a dor com humildade, reflexão, expressando-a adequadamente para alguém empático e para Deus. O que é bom passa. Mas o que é ruim, também passa. Não se “anestesie” com nenhuma droga para fugir da dor. Se pergunte de onde ela vem, qual o significado dela, o que você pode aprender com ela, o que ela quer dizer, que coisa em sua vida é preciso mudar para que a dor vá embora, etc. Esta é a maneira saudável de lidar com a dor.
Vi uma frase fantástica no parachoque de um caminhão que dizia: “Tem hora que dá medo”. É verdade. Uma pessoa bem-resolvida também tem dias de tristeza, angústia e medo. Se ela for mesmo bem-resolvida emocionalmente, não se apavorará com isto, mas aceitará estas emoções desagradáveis como parte dessa existência.
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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