O primeiro passo para você entrar no processo de cura de sua dependência

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O mundo está compulsivo, a sociedade doente. Os caminhos da saúde estão quase apagados na cultura que pressiona para que o doentio se torne o desejado em nome de prazer e conveniência. “Vivemos numa cultura inclinada à compulsão em que a desorientação de um dependente não chama a atenção.”, Patrick Carnes, Ph.D., “Isto não é amor”, Edit. Best Seller, p.85. Veremos a seguir alguns aspectos culturais ligados às dependências segundo o profundo trabalho do Dr. Carnes na obra citada.

1 - Nossa cultura é orientada pela conveniência – Comida congelada, serviços feitos de dentro do carro (drive-through), semelhante ao que o dependente (de qualquer coisa) busca, ou seja, uma “rápida solução” para reduzir sua ansiedade.

2 - Nossa cultura enfatiza a tecnologia sofisticada – Endeusa a ciência na ilusão de que a tecnologia resolve tudo. Esperamos que algum cientista descubra a pílula mágica ou uma cirurgia para doenças ligadas ao ruim estilo de vida sem ter que mudá-lo.

3 - Nossa cultura busca entretenimento e escapismo – Foge da busca do sentido das coisas. “Os filmes, programas de televisão, romances e revistas contribuem para a falta de significado, que o sociólogo Durkheim chamou de anomia quando se referiu ao estado de carência de sentido que antecede ao suicídio.” Idem, p.86.

4 - Nossa cultura tem sofrido grandes alterações de paradigma – Isto significa uma confusão de valores que faz a vida mais difícil.

5 - Nossa cultura sofre com a desagregação familiar – Nos Estados Unidos de cada três casamentos, dois terminam em divórcio. No Brasil, em 2003, registrou-se cerca de 750 mil casamentos e 240 mil divórcios e separações judiciais, isto é, em cada três casamentos, em 2003 oficialmente registrados, um terminou, ou 30 em cada 100 foram desfeitos. Nos Estados Unidos, 54% das mulheres têm dupla jornada (serviço em casa e fora). Os filhos ficam em situações de cuidados a desejar, sem falar em mães solteiras imaturas para cuidar de si mesmas quanto mais de uma criança. No Brasil deve ser mais que 54%. Resultado: profundos sentimentos de abandono, que é o centro do desejo compulsivo.

6 - Nossa cultura sente a perda da comunidade – Nos Estados Unidos executivos mudam de emprego, em média, a cada 18 meses. Famílias mudam de lugar, em média, a cada três anos. Sociólogos afirmam que normalmente são necessários três anos para que uma família possa obter uma rede de apoio na comunidade. O rompimento disto produz isolamento, que induz a abusos de crianças, agressão e dependências.

 7 - A nossa é uma cultura de alta tensão – pressão no trabalho, vários empregos, ameaças de demissão, competição, a mídia enfocando e enfatizando as desgraças sociais, tudo resultando em uma ansiedade crônica sem contar os estresses da vida pessoal.

 8 - Nossa cultura é de exploração dos outros – Capitalistas oprimem os trabalhadores e geralmente são cínicos diante dos sofrimentos alheios. “Mesmo se não formos as vítimas, nossa experiência equivale à da criança que cresceu numa família abusiva, mas não sofreu abusos pessoais. A permanência no ambiente gera desconfiança, que alimenta a dependência.” Idem, p.87 (itálico do autor).

9 - Nossa cultura nega limitações – Quando você nega seus limites, está fora da realidade, a saúde mental sofre e as dependências (drogas, etc.) crescem quando não há limite.

10 - Nossa cultura está compulsiva – Pessoas trabalham sob efeito de drogas para manter o pique e a ousadia. Nos Estados Unidos – país com mais de 300 milhões de pessoas – calcula-se que existam 131 milhões de compulsivos ou pessoas próximas afetadas. “Quando mais da metade da população está envolvida com dependências, as normas compulsivas passam a ser o centro da experiência cultural.

Nossa cultura apóia a dependência, por isso ela não é somente uma questão médica (neuroquímica) e situações de família (psicológica). Há uma ecologia social envolvida que é a cultura em nosso mundo doente.

A recuperação envolve decisões pessoais, políticas e sociais. Requer humildade para aceitar impotências e limites, adiar gratificações, desenvolver um significado valioso para a vida, coisas difíceis para indivíduos e cultura dependentes que querem prazer já.

A vida de dependentes (adictos de qualquer coisa) é muito arriscada porque eles invadem limites, negam fraquezas, se sentem semi-deuses. Ignorar os próprios limites é a ruína de pessoas. Quanto mais tempo você se sente invulnerável, mais retarda a recuperação. Pedir ajuda significa admitir a impotência diante da obsessão e/ou da compulsão. Como alguém que se sente semi-deus pode admitir ser impotente? Faz profundo sentido o primeiro passo dos 12 sugeridos pelos Alcoólicos Anônimos: “Admitimos que éramos impotentes diante do álcool (se não é álcool, coloque aqui seu problema) - que tínhamos perdido o controle de nossas vidas”. Admitir a doença é o primeiro passo para a recuperação da pessoa e da cultura.

 

TAGS:
César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.