No que você pensa enquanto aperta o tubo do creme dental?

quinta-feira, 06 de março de 2014

Cada ser humano está na realidade de maneira diferente. Está como pode emocionalmente e não como quer. As percepções da realidade são diferentes para pessoas diferentes. Como isto afeta os relacionamentos conjugais e outros?

Assim como nossa visão física é limitada quanto ao ângulo e distância, nossa percepção mental também o é. Ao ler estas palavras, seus olhos estão focados nelas e note que o que está em volta de você está fora de foco. Ao virar seus olhos para focalizar um objeto aí no ambiente, o texto já ficou fora de foco, não é?

Percebemos pouco sobre nós mesmos, sobre as pessoas, sobre a realidade. Um professor de psiquiatria disse que nos tornamos aquilo que promove menos dor. Interessante esta declaração, não é? O que ela está dizendo? Leia de novo: nos tornamos aquilo que promove menor dor. Ou seja, o tipo de pessoa que você é, a maneira como você está inserido(a) na realidade, sua capacidade de percepção das coisas, de como as pessoas são, de como a vida é, tem muito que ver com "arranjos” ou adaptações mentais voltadas para a defesa da dor mental. Ao longo da vida, em função da genética (o que herdamos do pai e mãe), do que vivenciamos ao longo da infância (com predomínio de prazer ou de desprazer) na família de origem, e de acordo com nossa vulnerabilidade e sensibilidade, nos tornamos isto que somos hoje. Mais fechados ou mais expansivos. Mais rígidos ou mais flexíveis. Mais ansiosos ou mais serenos. Mais melancólicos ou mais alegres. Mais agressivos ou mais mansos. Mais mentirosos ou mais verdadeiros. Mais manipuladores e controladores ou mais livres e libertadores.

Você pode perguntar: que dor é esta da qual, ao tentar me livrar, me tornei o que sou até este momento da vida? Boa pergunta. Importantíssima pergunta! Ah! Se a maioria das pessoas deste mundo buscasse com todo o coração e honestidade a resposta dela, chegaria a uma situação na vida onde poderia decidir com boa consciência o que fazer de construtivo com sua dor pessoal. Trata-se de uma dor pessoal. Isto é importante enfatizar, porque a tendência nossa é colocar a culpa de nossa dor existencial nos outros. Daí dizemos para nós mesmos, e/ou brigamos com outras pessoas, dizendo: "Você é o culpado(a) da minha dor (infelicidade)!”, "Arranjei outra pessoa porque você não me preenchia (não aliviava minha dor)!”. Ninguém pode resolver nossa dor pessoal. Mas até que uma pessoa compreenda e aceite isto, ela pode fazer muita besteira, pode adoecer emocionalmente, tentar suicídio, se tornar dependente químico, envolver-se em "casos” fora do casamento, se tornar compulsiva com comida, sexo, trabalho, compras, e outros comportamentos.

Quando você aperta o tubo de creme dental, seu consciente pode estar no próprio tubo e pensar: "Minha mulher (meu marido, meu pai, meu filho) costuma apertar de qualquer jeito este tubo! O certo é apertar de baixo para cima!”. Ou sua mente pode apertar o tubo automaticamente, colocando o creme na escova de dentes, enquanto pensa: "Vou colocar o feijão no fogo” ou "Preciso telefonar para aquele cliente”, ou "Ih! Amanhã tenho prova de matemática!”. Então, você pode ver como que a mente de cada um está numa realidade, num foco diferente ao fazer o mesmo ato. E se não aceitarmos isto, a tendência será querer forçar o outro a pensar como nós, a fazer as coisas como nós fazemos, a perceber as coisas como nós percebemos. Mas isto não é possível, nem o melhor, porque cada um percebe e entende o que pode, o que tem capacidade ou aptidão emocional neste momento da vida. E isto não tem a ver com cultura e nem com inteligência. Tem mais a ver é com a capacidade de lidar com a dor pessoal.

Quanto melhor pudermos lidar com nosso vazio existencial, nossas carências e nossa dor, menos estresse provocaremos na vida conjugal, menos compulsivos por qualquer coisa seremos e poderemos, assim, ter serenidade. Entretanto, fica difícil o relacionamento com outras pessoas quando e se o outro não se interessa por pensar nestas coisas e quer continuar a viver no automático, na defesa (encolhimento do eu). E também no ataque através de grosseria, autoritarismo, manipulação, dependência não-saudável. 

Da próxima vez que você apertar o tubo da pasta de dente, pare e pense: "Qual é minha dor e o que posso fazer para aprender a lidar com ela de maneira que eu não perturbe as pessoas como se elas fossem responsáveis pela minha sanidade e bem-estar?”


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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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