Negação: o amortecedor da dor mental

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Negação é um mecanismo de defesa psicológico, que serve para a pessoa evitar a dor que surgiria pela tomada de consciência de algum fato da vida que para ela pode ser, neste momento de sua existência, doloroso demais de ser encarado.

Negação é não chegar na verdade. Ainda. É permanecer numa zona de neblina sobre si mesmo, sobre suas emoções difíceis de experimentar. Negação é fugir da dor. Até certo ponto, a negação pode ajudar a suportar a dor, e a pessoa usa a negação até que ela esteja pronta para lidar com o sofrimento emocional. 

Exemplo: se você tem suspeita de um câncer e fez uma biópsia. Vai ao laboratório pegar o resultado. Na curiosidade ansiosa, abre o envelope e lê o laudo o qual mostra a presença de um câncer. Num primeiro momento, então, você diz para si mesma: "Isto não é meu! Este resultado não é da minha biópsia! A pessoa que digitou se enganou e colocou meu nome, mas é de outra pessoa!” Isto é negação. A negação permanece na mente da pessoa até que ela esteja em condições de encarar a notícia difícil, ou a percepção de si mesma, de seu comportamento, também difícil de olhar.

Quando um indivíduo sai da negação, ele chega mais perto da verdade. Conhecer a verdade pode doer, mas sempre liberta. Ou dá a chance de libertação. Libertação de quê? Da mentira, do engano, da prisão emocional, de uma dependência ruim para a pessoa, do adiar mudar o que precisa ser mudado no comportamento, etc.

Algumas pessoas saem da negação e entram num estado de raiva contra a realidade, podendo cair em depressão. Isto significa que elas ainda não aceitam a perda. A raiva pode ser contra Deus, contra um médico, contra a sociedade, contra alguma outra pessoa. E esta raiva ocorre porque houve uma perda que para aquela pessoa é significativa. Ela pode ter perdido não só um ente querido, a saúde, o emprego, o casamento, mas pode ter perdido o senso de valor pessoal, a sustentação afetiva que tinha com alguém ou algo.

Quando a pessoa finalmente aceita a perda, termina a negação. Ela deu um imenso passo para o equilíbrio emocional. Isto significa que ela pode lidar com a dor melhor do que no passado. Aprende que a dor não será maior do que a que ela pode suportar, não será maior do que seus recursos internos para lidar com ela. Ela começa a entender que a dor é algo nela, não ela. 

Alguém disse que a verdade vai acabando com as mentiras. Sim, é verdade. Mas a pergunta é: quem quer a verdade? A verdade sobre as dores pessoais? A verdade sobre as limitações pessoais? Negação é fugir da verdade. E fugir da verdade é fugir de você mesmo. Não dá certo. Não produz felicidade, serenidade, calma mental.

Então, pergunte a si mesmo: o que é a verdade sobre este aspecto de minha vida? Que sentimentos sinto quanto a este assunto doloroso? Tenho fugido de mim mesmo, estando em negação? 

Parar com a negação é avançar rumo a aceitação da realidade. Cada um tem um tempo para isto. Uns demoram mais, outros menos. E talvez alguns morrerão na negação. Mas não podemos forçar uma pessoa a ver o que ela não quer, o que significa que não podemos forçar uma pessoa a sair da negação. Se o motivo pela qual ela permanece na negação é de peso afetivo para ela, provavelmente ela permanecerá na negação, persistindo num comportamento ruim, mas que ela suporta porque para ela é menos pior suportar este comportamento ruim do que olhar a verdade, sair da negação e mudar.

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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