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Não tem nenhum problema em você ser introvertido
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
A sociedade se torna cruel ao valorizar e aplaudir pessoas assertivas, extrovertidas, que falam alto, agressivas nos negócios, e despreza os introvertidos. Empresários que ainda não entendem o poder criativo dos introvertidos andam à procura de pessoas "cheguei!”. Mas introvertidos não produzem?
Susan Cain ("O poder dos quietos – como os tímidos e introvertidos podem mudar um mundo que não para de falar”, 2012) cita Dr. Jerry Miller, psicólogo infantil, diretor do Centro para a Criança e a Família da Universidade de Michigan, que teve um paciente cujos pais tinham medo daquele filho ter algum "problema”, e insistiam em levar o menino para ser tratado por psicólogos.
Anos atrás uma mãe queria que eu ajudasse sua filha adolescente. Ela disse que não aguentava mais a filha rebelde, sem perceber sua (da mãe) atitude autoritária, agressiva, ranzinza. E me disse: "Dr. Cesar, trouxe minha filha para o Sr. fazer a cabeça dela!” Algo parecido com pais que colocam o filho num colégio interno (ou externo) e ficam esperando que os professores resolvam os problemas comportamentais dele, que os pais não resolveram por falta de educação emocional ao longo dos anos. "Jogam” os filhos na terapia, na escola, no conselheiro, e saem correndo como se o "problema” daquele filho(a) fosse algo independente das atitudes deles (pais) e da família como um todo.
Dr. Miller, ao atender o garoto, explicou aos pais que ele não tinha doença mental a ser tratada. Eles estavam preocupados porque este menino com sete anos de idade tinha um irmão mais novo com quatro anos que vez ou outra batia nele e ele não revidava. Estes pais eram profissionais ativos, assertivos, sociáveis, "poderosos” em suas empresas, bem competitivos. Achavam que não tinha problema o mais novo agredir o mais velho, e que o melhor a fazer era incentivar o mais velho a "lutar”. Daí o colocaram em esportes competitivos, o levavam em reuniões sociais familiares, mas nada disso interessava a este menino de sete anos, que preferia ficar em casa e estudar, ler, montar brinquedos.
Com dificuldade em entender este filho, os pais pensaram que ele poderia ter depressão, o que foi descartado pelo Dr. Miller, que verificou que era outra história de falta de harmonia entre ele e seus pais. Ele aceitava seus pais melhor do que eles o aceitavam.
Susan comenta: "Aquela mesma criança em um lar diferente seria uma criança-modelo.” (idem, p.242). Mas aqueles pais, "ligados” demais na vida social e empresarial, não entendiam este filho introvertido. O modelo de pessoa normal para estes pais era alguém muito social, muito assertivo, agressivo nos negócios, e eu acrescentaria: sem riqueza de vida interior, sem empatia e talvez sem respeito para com os sentimentos dos outros.
Estes pais tinham boa intenção e preocupação em preparar o filho para a vida, cheia de desafios, lutas. Mas queriam submeter o filho normal a um tratamento, o que poderia prejudicar esta criança. Um profissional consciente não assumiria tal tratamento, como o Dr. Miller fez. E quando conversei com aquela adolescente, ficou claro que a mãe precisava de ajuda para os problemas dela mesma, independentemente dos da filha.
Dá para existir bom relacionamento entre pais assim e filhos introvertidos? Sim, é possível. Mas como explica Susan Cain: "... os pais precisam se distanciar de suas próprias preferências e ver como o mundo é aos olhos do seu filho quieto.” (idem, p.243).
Introversão não é doença, não é falha na interação social, não é fruto de erros na formação do indivíduo. É uma característica com que a pessoa já nasce com ela e que é muito rica em muitos sentidos, seja na vida social ou profissional. Não precisa tratar isto, nem forçar para ser diferente. O mundo aplaude os assertivos e os competitivos porque a visão da vida para o mundo tem muito a ver com aquisição de bens materiais e para isto, ainda segundo o mundo, você precisa ser agressivo, falante, dominador para ser um sucesso. Que coisa mesquinha, não é, este conceito mundano de sucesso!
Para mim é desagradável, ao socialmente encontrar pessoas com filhos já adultos, e ao falarmos sobre eles, os comentários girarem em torno de: "Meus filhos estão ótimos! Um é advogado bem-sucedido! Outro é dono da maior rede de ...”. Na realidade de algumas destas pessoas de "sucesso”, se você conhecer a vida emocional e espiritual delas, verá que tem sido um desastre, com casamentos mal sucedidos, alcoolismo, filhos problemáticos, indiferença espiritual, etc, embora tendo muito dinheiro no banco.
"... ao buscar líderes em seus quadros, a maioria das empresas parece confundir liderança com autopromoção e exuberância. O introvertido sabe que dificilmente será o general que sai brandindo a espada à frente de suas tropas, mas tem tudo para ser o estrategista cujo plano garantirá a vitória na batalha. Se não for um novo Alexandre, o Grande, nada impede que ele seja um novo Albert Einstein, um dos muitos introvertidos célebres que não se dobraram aos requisitos que poderiam encaixá-los em uma categoria a qual eles não pertenciam, e não queriam pertencer.” (idem, p. 12).
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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