Não há nada que compense o fracasso no lar? - 21 de julho 2011

domingo, 31 de julho de 2011

Segundo a Bíblia, o casamento é uma das duas instituições divinas estabelecidas no Éden, ou Paraíso, antes da “queda” espiritual dos seres humanos, que permaneceram até hoje. O casamento bíblico válido — a união entre um homem e uma mulher — é plano divino, não acabou, não foi modificado, deve permanecer até o fim, e é descrito Gênesis 2 verso 24: “Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne”.

“Uma carne”, neste texto, vem do hebraico “echad” — “um” (ou “uma”) no sentido de essência, diferente de “yachid”, que significa “um” (ou “uma”) no sentido numeral. Assim, a união voluntária e em amor entre um homem e uma mulher pelo casamento produz “uma só carne” no sentido da profunda união emocional e espiritual que se estabelece. O rompimento desta união pode produzir muita dor para o casal e para a família como um todo.

Um desafio grande é manter o casamento com a mesma pessoa e em harmonia. Fazem parte deste desafio coisas como: equilíbrio entre aproximação e afastamento, afeto com e sem sexo, diálogo e silêncio, interferência de parentes, etc. Não são muitos os casados que conseguem manter a harmonia afetiva.

Fracassar no lar significa ter sérios problemas com a paternidade e a maternidade afetiva (pais frios, muito racionais), significa ter sérios problemas conjugais, e, o pior, significa romper com os vínculos entre pai/mãe e filhos, filhos e pai/mãe, entre marido e mulher, etc. Talvez o mais doloroso seja o fracasso entre esposo e esposa, terminando numa separação e divórcio.

Na lista científica dos eventos produtores de estresse em adultos, dos 5 primeiros, 3 são relacionados com o casamento (morte do cônjuge, divórcio e separação). O número 1 que produz o estresse é a morte do cônjuge. Na lista dos jovens, o número 1 é a morte dos pais (ou do noivo/noiva) e o número 2 é o divórcio dos pais.

Fracassar no lar produz muita dor para muita gente. Se, por exemplo, a causa do fracasso é alcoolismo em um membro da família, para cada indivíduo que bebe sem controle, 5 ou 6 outras pessoas são afetadas emocionalmente. Não há fracasso no lar sem dor difícil de administrar, a não ser que o indivíduo negue sua dor.

Os componentes de lares razoavelmente equilibrados emocionalmente felizmente não sabem como é esta dor. O mesmo ocorre com lares com ligações afetivas superficiais (talvez a dor nestes casos seja vivida através de doenças físicas de origem emocional, ou canalização dela para compulsões, atitudes antissociais, dependência química, etc).

A frase “não há nada que compense o fracasso no lar” pode ser muito pesada para pessoas com consciência de suas dificuldades na família atual e na qual cresceu. Pensar nisto, viver isto, pode ser bem doloroso para estas pessoas. E é uma frase pesada também para os que não sabem como resolver o problema.

Há situações de fracasso conjugal em que, não havendo saída, o que sobra é aceitar a perda, assumir os erros pessoais, se dobrar diante da realidade, e procurar sobreviver dignamente, com perdoar a si mesmo, perdoar o outro, e aprender com os erros para não repeti-los adiante.

Também é importante compreender e aceitar que dificuldades conjugais que terminam ou não em fracasso podem ter origem em ambos, esposo e esposa. Não há fracasso no lar promovido apenas por um membro da família. Muitas vezes a “ovelha negra” pode ser a expressão da doença de todos, negada por muitos. Nos casamentos há um acordo inconsciente feito entre marido e mulher, de maneira que cada um assume um papel que pode não ser saudável, mas que é incorporado ao longo dos anos por ambos. Não sendo saudável, produz sofrimento, podendo levar ao fracasso, caso não seja percebido por cada um, para ser, então, modificado mediante luta pessoal.

Não há nada que compense o fracasso no lar? Parece que não. O que pode sobrar é conviver com a dor, a qual pode diminuir, mas talvez não ser totalmente eliminada nessa existência. Aprender a lidar com este tipo de dor é uma arte. Exige humildade, consciência, acabar com a negação que produz o fingimento da não dor, quebrantamento do coração (chorar vez ou outra como expressão da dor), respeito próprio (não é porque fracassou que a pessoa vai ficar se depreciando e se atacando), não ter medo da dor, estar aberto para a verdade para aprender, e ajudar outras pessoas que sofrem de dor parecida com aquilo que está sendo aprendido.

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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