Medicalização da vida

quinta-feira, 20 de março de 2014

O mundo está "bombado”. As pessoas estão passando a funcionar (funcionar?) sob efeito de medicação, álcool, drogas ilícitas. As indústrias farmacêuticas produzem novas drogas sintéticas "esculpidas” para isto ou aquilo em nosso corpo. Em termos de medicamentos psiquiátricos, há um aumento no consumo de tranquilizantes, antidepressivos, estabilizadores do humor, indutores do sono, etc. Por que este avanço trágico, triste, perigosíssimo, da medicalização da pessoa?

As pessoas não querem sofrer, não querem ter dor. Nenhuma dor. Conheço gente inteligente que com qualquer ameaça de dor, física ou emocional, procura avidamente por um comprimido. O que é isto? O que isto denuncia sobre a postura dela no mundo? Dá para não ter dor alguma na vida? Está errado ter dor? Será que dor emocional (angústia, tristeza, irritação) é doentio, sendo preciso medicar "rapidinho” a pessoa?

A artificialidade da vida avança em quase tudo, pelas redes sociais via internet, pelo "ficar”, por comida artificial em abundância, pela busca do aumento do prazer sexual com medicamentos sintéticos ou "novas posições”. Acho triste como que programas de TV que falam de sexualidade tem ótima audiência, seja de baixo ou de bom nível! Será que as pessoas estão concentrando a busca de prazer na vida só na sexualidade, deixando de lado outras fontes de prazer e também (o mais importante!) a busca do aprendizado de como lidar com a dor da vida (de origem espiritual), dor emocional, angústia, tristeza?

Jovens cada vez mais jovens entram no mercado de trabalho querendo juntar seu "primeiro milhão” o mais cedo possível. Que visão equivocada de vida! Anos atrás, no Japão, jovens empresários com 30 anos de idade morriam de uma doença que era rara até então, chamada "karoshi”. Karoshi é uma morte súbita, precoce, por excesso de trabalho. Por que excesso de trabalho? Será por causa da visão materialista da vida? O que o Jesus Cristo quis dizer ao falar que a vida é mais do que o alimento e o corpo mais do que o vestido? Para o que Ele queria chamar a atenção das pessoas? 

Estudos revelam que pessoas com depressão de moderada à grave apresentam mal funcionamento de neurotransmissores. A serotonina é um deles. Ela fica em baixa concentração nas sinapses (espaço entre uma célula nervosa e outra), onde ocorre a neurotransmissão. Daí a indústria farmacêutica "lapida” medicamentos sintéticos, como a fluoxetina, sertralina, paroxetina, citalopram, etc., para "encaixar” como uma peça de quebra-cabeça no processo de neurotransmissão e ajudar o cérebro a funcionar melhor. Será que o cérebro funciona melhor com estas drogas sintéticas quando a pessoa apresenta depressão e alguns quadros de transtornos de ansiedade (TOC, Síndrome do Pânico, Fobia Social, etc.)? Sim, em muitos casos funciona melhor, aliviando os sintomas. A pergunta mais importante neste contexto não é: Qual é a droga melhor? A pergunta mais importante é: Por que o cérebro desta pessoa não está funcionando bem? 

Será que os conflitos da vida, junto com a herança genética e a vulnerabilidade individual para transtornos mentais explicam o sofrimento da pessoa e o porquê de o cérebro dela não funciona bem? Sim, explicam. Mas o que é mais fácil? Tomar um comprimido e não pensar mais em nada sobre a dor pessoal e outras situações conflitantes ou parar alguns momentos para tentar entender a origem dos sofrimentos, dos conflitos e das causas da dor emocional, e assim procurar soluções eficazes?

O mundo está bombado porque é mais fácil pretender resolver problemas da vida com comprimidos. Mas uma verdade que o povo precisa entender é que conflitos que geram dor emocional (tristeza forte, angústia, pânico, fobias, alteração de humor, etc.) retornarão, mesmo que você use medicação por 10, 20 ou 30 anos! Por que voltam? Porque podem não ter sido resolvidos só com medicamentos, naturais ou sintéticos. 

Algumas perguntas são parecidas nos tipos de sofrimento em nossa sociedade, seja por desesperança política, frustração com líderes religiosos que só falam em prosperidade material, agressividade de membros da família, por mentiras e traições que machucam profundamente corações no lar, pela exaltação doentia da sexualidade, superficialidade das relações sociais, etc. As perguntas podem ser: Por que o povo reelege candidatos sabidamente corruptos? Por que o mundo caminhou para a materialização hipócrita da vida? Por que redes famosas de TV são tão ambivalentes, apresentando bons programas e, ao mesmo tempo, lixo para as pessoas? Por que as pessoas assistem o lixo? Por que boa parte das pessoas tem dificuldade para lidar com suas emoções dolorosas, embora tenham facilidade para construir empresas e ganhar muito dinheiro? 

Se você quer prevenir transtornos mentais no adulto, ensine a criança a lidar desde pequena com a frustração, com a dor da vida. Não dê para ela tudo o que ela quer. Isto é ruim para o equilíbrio mental. Dê amor, mas dê limites também. Dê tarefas assim que ela puder ajudar em casa. Ofereça alimentação vegetariana, pois é melhor para o cérebro. Ensine a ela princípios saudáveis sobre a vida, mostrando que o sentido do viver não é o acúmulo de bens materiais. Dê bom exemplo de controle emocional. Se isto for desenvolvido desde a infância, será menos difícil chegar na vida adulta e ter equilíbrio emocional. 


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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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