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Luta com nosso eu: sofrimento maior?
O sofrimento atinge a todos nós, mais cedo ou mais tarde. E depois volta. Sofrimento é um instrumento que a vida permite que ocorra e que pode servir para correção, repreensão, amadurecimento, mudança de direção, abatimento da prepotência e arrogância. Pode ser uma chance de melhora.
Ainda somos cegos. Há milhões de coisas sobre a vida para as quais não temos nem respostas e nem luz. Mas há luz. Ela existe. Está perto. Por que não a discernimos? Ficamos entretidos demais com as coisas, mesmo boas, da vida? Vivemos reclamando, sendo ingratos para com os benefícios que já recebemos no viver até aqui?
Algumas pessoas sofrem mais do que outras. Não entendo isto. Mas também tenho aprendido a não me rebelar contra isto. Consigo entender que deve haver uma história, uma causa. Ainda não enxergo, mas não é sem sentido. Posso não concordar, mas aceito.
Talvez o sofrimento mais difícil não é o que nos pode ser infligido por algo ou alguém de fora, como um acidente de carro, desemprego, traição da confiança, mesmo a morte de uma pessoa querida, etc., mas parece ser o sofrimento resultado da luta com nosso eu.
Todos estamos machucados mentalmente. Não há ser humano sem angústia. Não há remédio de farmácia que consiga acabar com a angústia do existir. O que há é a tentativa de fugir dessa angústia, e fazemos isto de muitas maneiras, como abusando de medicamentos, comendo demais, tendo sexo demais, álcool demais, drogas ilícitas, horas demais nas redes sociais, pornografia, trabalhando demais, mentira, trapaças, consumismo em geral, abuso de poder, etc. Mas isto não acaba com a angústia. Pode até piorá-la. Adia o adotar condutas saudáveis.
Uma doença psicossomática é a que perturba o corpo mas que se origina na mente. Uma pessoa com muito estresse na vida pode manifestar, por exemplo, fadiga (burn-out) mesmo dormindo 8 horas por noite. O corpo absorve a dor emocional para o alívio da mente, até que a pessoa melhore seu estilo de vida. E para isto ela vai necessitar de luz. Como assim? Quanto mais um sintoma está “enterrado” fortemente e por muito tempo no corpo, possivelmente mais longe a pessoa está da verdade que pode promover cura. Porque o sintoma no corpo cuja origem é na vida mental, é o “desabafo” da mente de uma forma visceral, e isto é uma defesa. A solução tem que passar pela consciência, pela experimentação e expressão consciente da dor original para que, aí sim, ela vá embora.
Não é fácil olharmos a nós mesmos para tentar entender as contradições, conflitos, distorções de pensamento, sentimentos dolorosos em nosso eu. Conhecer a verdade sobre nossos defeitos de caráter não é fácil. Mas é conhecendo a verdade, que ela pode nos libertar do que dói no profundo do eu, e que permite interromper alguma dor.
A própria maneira de sermos como indivíduos pode ser uma defesa contra a angústia. Ou seja, o que nos tornamos como pessoa até agora em nossa vida pode ser fruto da defesa da angústia experimentada ao longo do tempo, que em algumas pessoas é realmente muito grande devido à vulnerabilidade genética, traumas na família de origem, sensibilidade excessiva, abusos contra seu corpo, guerra espiritual, etc.
A luz está disponível para quem a deseja. Mas não basta desejar, você precisar correr atrás dela, ativamente, avidamente, com sede de obtê-la. Não se contente com a distorção da luz que entretenimentos oferecem, alguns até altamente destruidores do cérebro (games e filmes violentos, pornografia, excesso de horas na internet, etc.). Se você já está desejando luz, isto é sinal de que ela já começou a fazer um trabalho em sua mente, porque nosso eu é enganoso e sozinho não quer a luz, quer o prazer de qualquer forma, mesmo contra a luz. Aliás, o que impera da mídia é um dos frutos do pensamento pós-moderno, que diz: “O que vale é o que sinto”. Não há luz nisto. Daí assusta ao olharmos ao redor e ver o império desta filosofia do prazer a qualquer preço, que gera violência.
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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