A existência nunca é automática

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O título desta matéria é do psicólogo Rollo May, profundo pensador, psicoterapeuta e escritor. O que significa dizer que a existência nunca é automática? Algo automático é o que funciona por si mesmo. A vida não é automática?

Um grande dilema na vida tem a ver com a liberdade e o determinismo. Você é livre para decidir coisas na sua vida, mas pode estar preso por motivações inconscientes. Você tem a liberdade de fazer escolhas, mas pode estar condicionado a funcionar de uma maneira rígida devido a fatores como traumas da infância, crenças centrais, pensamentos automáticos, medo do novo, tendência a controlar, etc.

A existência nunca é automática porque você precisa se levantar da cama de manhã, fazer sua higiene pessoal, tomar seu desjejum, e começar as atividades do dia. Precisa escolher que objetos comprar, que almoço vai comer, que roupa vestir, que curso fazer, com quem se envolver em relacionamento amoroso, e tudo o mais. Como acertar? Como saber o caminho correto? O que é acertar e o que é caminho correto?

Um dos fatores que podem definir o que é acertar e qual o caminho certo tem a ver com a cultura. Na cultura ocidental, acertar e pegar o caminho correto tem muito a ver com ganho material, economia, sucesso financeiro, acúmulo de bens, conseguir ter alto padrão de vida. Daí é comum escutarmos uma pessoa falar de outra: “Fulano está muito bem!”, se referindo à riqueza material adquirida. Mas, por que pessoas muito ricas, que acertaram o caminho neste conceito capitalista, materialista, se deprimem, se matam? No que erraram?

Você não acha que há algo errado neste mundo, no qual a Natureza sofre, e nós sofremos, adoecendo e morrendo? Por que há dois tipos de morte biológica, a por necrose e a por apoptose? Morte por necrose é resultado de sofrimento, de alteração fisiológica. Morte por apoptose é tentativa de prevenir a continuidade do sofrimento, serve para encurtar o tempo de dor. Enfarto do miocárdio (“ataque cardíaco”), por exemplo, ocorre por morte por necrose, porque uma parte do músculo do coração, o miocárdio (mio = músculo, e cárdio = coração), morre por falta de sangue. Quando a menstruação da mulher desce, isto é produzido pela apoptose, a morte inteligente. A cada mês, a partir da adolescência, quando surge a menarca (primeira menstruação), o corpo feminino se prepara para fecundar e abrigar um novo ser no útero. Não havendo fecundação, há a descarga menstrual cheia de nutrientes que não foram necessários naquele mês porque não havia um embrião. Recomeça, então, um novo ciclo. Necrose é morte violenta, apoptose é morte “saudável”. A necrose é burra. A apoptose é inteligente. O que gerou necrose na humanidade?

O aquecimento global é uma realidade difícil para todos nós e causa sofrimento para os seres humanos, para os animais e para a Natureza. Ela é fruto da ganância de uns poucos homens de poder econômico. Há locais habitados na Terra que estão com os dias contados para continuarem como viáveis de ter pessoas vivendo ali por causa do excessivo calor, escassez de água, morte da vegetação. Alguma coisa alterou o automático da Natureza. Ela adoeceu também. Que coisa?

Eu e você temos a escolha de praticar aquilo que será bom, saudável, útil, para nós mesmos, para a comunidade e para a Natureza. A indústria farmacêutica norte-americana Turing Pharmaceuticals, criada pelo jovem empresário Martin Shkreli, dono da pirimetamina, principal droga para tratamento de pessoas com sistema imunológico enfraquecido, como a aids, aumentou o preço deste remédio de 13,5 dólares para 750 dólares. Um argumento do dono é de que precisa de dinheiro para pesquisar novas drogas. Mas, aumentar deste jeito o valor desta droga, o que inviabiliza para milhares de pessoas a adquirerem, justifica? Isto não parece uma “necrose mental” deste indivíduo? Não é uma ganância que machuca tantas pessoas? Por que ele usa esta escolha de modo tão prejudicial para a comunidade mais pobre? Por que ele escolhe este caminho de necrose?

A existência nunca é automática. Você pode escolher. Não é uma escolha tão livre como gostaríamos que fosse. Somos presos, mas temos liberdade. É um paradoxo. É ontológico. Vamos dizer que há um certo grau de liberdade. E você pode usá-lo para construir ou destruir, ajudar ou atrapalhar, para facilitar a necrose psicológica e sociológica, ou caminhar na direção da apoptose. Não tem como escapar da morte, uma ou outra. Qual você escolhe? 

TAGS:
César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.