Doutor, eu trouxe “fulano” para o senhor cuidar dele!

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Muitas pessoas são levados à consulta por parentes. Uma boa parte não quer a consulta, mas vai por pressão de familiares. Dentre estes há esposas querendo que o marido mude, enquanto que ele fica ausente não só na consulta, mas na vida familiar, numa defesa emocional. Outros trazem seus filhos rebeldes, alguns dependentes químicos na ativa sem a menor intenção de parar com o consumo de drogas, ou mães trazem filhas adolescentes envolvidas com “más companhias”, com risco de gravidez indesejada e também arriscando entrar no mundo das drogas, jovens estas, de certa forma, alienadas e envolvidas até o pescoço com as falsas e perversas mensagens vazias e destrutivas propagadas pela mídia, por artistas que servem de modelo de vida para elas, artistas dependentes químicos, com transtornos sexuais e de caráter, aplaudidos pelas massas anestesiadas na mente e na alma, na escuridão da vida, sofridas, na verdade, mas provavelmente negando a dor interior.

Mães e pais trazem, angustiados, aquelas jovens que provavelmente em breve estarão empurrando um carrinho de bebê na flor da adolescência, seu bebê, gerado por causa daquela precoce sexualidade genital já que “pintou o clima” e “ele disse que me amava e me amaria para sempre se eu cedesse”... Estes jovens imaturos não sabem nada sobre bebês, sobre gravidez, sobre o que é cuidar de uma família, sobre amor maduro, sobre respeito pela pessoa, só sabem que querem o prazer já. Só sabem ter orgasmo e nada mais. E muitas destas jovens garotas caem na armadilha do “amor” e da falsa mensagem de que é preciso ter sexo para ser feliz, para preparar-se para o casamento, ou simplesmente porque é bom, sem nenhuma estrutura mental, emocional, espiritual, para estes envolvimentos. Marta Suplicy, sexóloga, afirmou anos atrás em um de seus livros que jovens adolescentes estão com órgãos genitais prontos para o sexo, mas não estão prontos com em suas mentes!

Compreendo a angústia dos familiares que querem o bem de seus parentes e por isso os força ir a médicos, psicólogos, etc. Gosto muito do que o grupo especializado em ajudar familiares e amigos de alcoólatras – Al-Anon – diz sobre sua ligação com o alcoólico de sua vida. Lá é dito que há os três “c”, que tem a ver com suas angústias e lutas com o dependente de álcool: 1) não posso Controlar, 2) não posso Curar, 3) não Causei. Ou seja, o familiar de um alcoólico não pode controlar, não pode curar e não causou o alcoolismo daquele indivíduo de sua família. Enquanto a pessoa não entende, aceita e incorpora isto em sua mente, a tendência será qual? Tentar controlar, tentar curar e achar-se culpado do problema. A verdade, porém, é que ninguém pode controlar ninguém. O alcoólico (ou qualquer outro problema de uma pessoa) só vai parar de beber o dia em que ele mesmo decidir fazer isto. Enquanto ele não decidir e agir, ninguém o controla. Ninguém pode curar uma pessoa que não quer a cura. Cura é um processo e fruto de decisão pessoal. E algumas pessoas não querem a cura, infelizmente. Mas esta é a decisão delas. E somos impotentes diante disso.

Também não adianta sentir-se culpado do problema da outra pessoa. Um alcoólico, para ficar no mesmo exemplo, bebe porque a esposa o beijou pouco, ou porque beijou muito, ou porque não beijou. Bebe porque está chovendo ou porque está com sol. Bebe porque ganhou pouco ou porque ganhou muito. Bebe por qualquer coisa. É uma doença, e por isso não tem que ver com o que outra pessoa faz ou não para com ele. Um familiar não é culpado pelo alcoolismo de um membro de sua família, ou culpado por outra compulsão. Pode facilitar isto, mas não é o culpado. O dependente químico é quem decide fazer o que faz.

Uma pessoa que vem à consulta por pressão de algum parente, ela está ali no consultório, mas não está ali de verdade, porque não queria, não deve estar pronta para receber a ajuda que precisa. A cura não vem quando a pessoa quer, mas quando ela está pronta. O desejo de cura é somente parte do processo de cura. Temos que amadurecer para obtê-la, e obtê-la para amadurecer.

Em se tratando de adultos conscientes, a busca da cura, seja física, emocional ou espiritual, deve ser pessoal.

Dr. James Prochaska e col. descreveram os estágios para a mudança emocional de uma pessoa. Primeiro há o estágio Pré-contemplativo – “Qual é o meu problema?”, “Não é meu problema!” – usados por pessoas tais como um marido arrastado a uma terapia conjugal, ou um adolescente levado por seus pais à consulta, ou criminosos sentenciados a tratamento pelo Juiz. Depois vem o Contemplativo – “Eu acho que tenho um problema mas não tenho certeza: eu não sei se eu quero mudar alguma coisa ou continuar a empurrar o barco.” Em seguida ocorre a Preparação – a pessoa faz planos e resoluções para mudança. Depois a Ação – ela age ativamente para mudar o problema. Em seguida ocorre a Manutenção – o que a pessoa faz para manter os ganhos terapêuticos. E finalmente vem a Finalização – a mudança está bem estabelecida sem medo de recaída. (“Changing Character”, Leigh McCullough Vaillant, cap.1, Harvard University.)

Avalie para ver se seu familiar pode ser incentivado a procurar ajuda profissional ou ir a grupos de ajuda na comunidade. Ofereça ajuda. Ofereça ir junto. Dê folhetos explicativos sobre o problema. Entregue a ele os dados de onde, quem, quando, como receber a ajuda que ele precisa. Mas não seja controlador, não force, não manipule (“Se você for ao médico, eu lhe dou dinheiro (ou um presente, etc.)”. Coloque limites também para que no caso da pessoa rejeitar ajuda, evitar que ela cause transtornos em sua casa. O amor tem que ser firme. Atitudes compulsórias (à força) só devem ser tomadas em caso de crianças com problemas de saúde e jovens e adultos fora de seu controle racional.

Se a pessoa rejeitar tratamento, cuide de si mesmo. Proteja-se. Proteja seu patrimônio, seu crédito, seu nome, sua segurança. Não permita abusos. Peça ajuda para você mesmo a fim de saber como lidar com a situação. Aceite sua impotência diante do fato e da pessoa. 

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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