Dor emocional desnecessária

sexta-feira, 17 de março de 2017

Muito do que influencia a maneira como vivemos e nos relacionamentos com as pessoas tem a ver com motivações e memórias inconscientes. Lembra a última vez em que você foi apresentado a alguém e sentiu uma espécie de rejeição? Você nunca havia visto aquele indivíduo, mas sentiu isto. Algo tocou em seu inconsciente ao ver a pessoa, ou ao ouvi-la falar, e veio aquela emoção. Isto é um fator gatilho.

Fator gatilho, ou simplesmente gatilho, em relações humanas é aquilo que ativa reações cognitivas (pensamentos) e emotivas (sentimentos) a partir de um estímulo em relação a uma outra pessoa, lembrança, fato, que podem ser agradáveis e desagradáveis.

Vamos supor que você tenha sido criado num ambiente familiar na sua infância com um pai agressivo verbalmente, irritadiço, autoritário. Isto produzia sofrimento em sua mente. Ao chegar na vida adulta, ao se relacionar com alguém autoritário, ou ao interpretar uma fala de alguém como agressiva e pessoal, sua mente reage com irritação, ansiedade, medo, tristeza, culpa, vergonha. Naquele momento podem surgir também sintomas físicos como tensão na nuca, aperto no peito, dor na barriga, etc.

Você não estava pensando na infância, não estava trazendo à memória as cenas dolorosas que viveu com as atitudes duras do seu pai, não estava revivenciando o sentimento desagradável daquela época. Tudo isto estava no seu inconsciente, mas no momento em que alguém (um colega de trabalho, seu cônjuge, um filho, seu patrão, um irmão ou irmã, etc) disse algo que sua mente recebeu e absorveu como autoritarismo ou agressividade verbal, esta atitude desta pessoa é o fator gatilho que dispara imediatamente uma reação no seu corpo e mente.

A partir daquele momento pode surgir em sua cabeça aquela emoção que você tinha originalmente lá atrás na infância quando seu pai gritava ou falava impacientemente, que, como escrevi acima, dependendo da pessoa, pode ser irritação, ansiedade, medo, tristeza, culpa, vergonha.

Se na vida atual você não parar na hora para refletir e analisar o impacto da atitude da pessoa sobre seu psiquismo (pensamento e sentimento), este fator gatilho poderá disparar estas reações em sua pessoa e qual será a consequência? Depende. Você poderá se sentir mal, perder a serenidade, poderá partir para revidar a suposta agressividade, ou se entristecerá, etc.

Nem sempre uma atitude mais firme de alguém, uma forma de falar mais dura é realmente agressividade da pessoa contra você. Mas como, no exemplo que estou dando, em seu inconsciente há as cicatrizes das feridas emocionais vividas com seu pai na infância, esta atitude atual da pessoa atinge tais cicatrizes e pode “sangrar” de novo. Ou seja, você pode sentir emoções dolorosas parecidas com as que sentiu na infância, e agora sem necessidade.

Por que sem necessidade agora? Primeiro porque a outra pessoa pode não ter tido nenhuma intenção de lhe ferir e pode ser um jeito mais duro dela falar, e segundo porque pode ter sido somente o “susto”, o gatilho que disparou a resposta emocional exagerada porque tocou na memória da dor passada.

Então, você pode usar sua cognição, seu raciocínio, para pensar consigo mesmo, por exemplo: “Puxa! Quando aquela pessoa falou comigo aquela frase daquele jeito, isto disparou em mim uma reação emocional que me incomodou! Por que me incomodou tanto? Será que mexeu no meu passado, em alguma ferida antiga?”

A partir desta autoanálise, você pode chegar a perceber que a atitude do outro foi um gatilho que disparou uma resposta sentimental desnecessária em sua mente. E para evitar esta reação emocional ruim, o que você precisa fazer é contar até 22, 47 ou 64 (não só até 10 provavelmente!) antes de deixar que as emoções tomem conta de sua mente e do seu comportamento, dizendo a si mesmo que você não precisa reagir diante de um estímulo (gatilho) externo desta maneira. É possível agora, na vida adulta, escolher a forma de reagir porque você não é mais uma criança indefesa diante de um pai verbalmente agressivo e também porque o que a pessoa disse pode não ter sido realmente algo agressivo, mas por alguma razão sua mente interpretou assim e reagiu com emoções desagradáveis. Talvez o pior já tenha mesmo passado.

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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