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Depressão: resultado de autopunição? – uma interpretação - 18 de novembro.
Depressão é um estado mental sofrido. Caracteriza-se por tristeza profunda, desânimo, ideias negativas, pessimistas, às vezes irritação, choro fácil ou bloqueio do chorar (quando, então, a pessoa experimenta uma forte angústia no peito, que é o choro preso), desprazer em estar com as pessoas, sente-se pior pela manhã, tendo dificuldade para levantar da cama, insônia, às vezes ideias suicidas (porque a pessoa não vê solução para seu sofrimento), etc.
A depressão pode surgir por perda do objeto amado. Perda real ou imaginária, parcial ou total, temporária ou definitiva. Quando um cônjuge se casa amando seu marido/mulher, e ao longo dos anos de casamento ocorrem frustrações entre ambos porque nenhum dos dois satisfaz todas as necessidades afetivas mútuas, há, então, uma perda. Pode-se juntar a esta perda a que foi trazida da infância, na qual também ocorreram frustrações na família de origem. A perda da infância pode ficar inconscientizada e a pessoa viver no presente como se a dor do passado não tivesse mais nenhuma relação com a atual – nem toda dor emocional do passado mal resolvida é consciente. Alia-se a esta perda infantil a perda atual, ou seja, do casamento. Daí surge acúmulo de dor, que pode se tornar insuportável.
O que você faz quando surge dor física? Toma um analgésico, um comprimido, um líquido, uma injeção, um chá, uma pomada, uma compressa, ou gelo. E quando a dor é emocional? Você pode tomar medicamentos, dormir demais, se drogar, fingir que não há dor, trabalhar demais, punir a pessoa que o frustrou. E como pode punir? Privando-a de afeto, tornando-se fria, indiferente, agressiva. Pode trair, isolar-se, privar a pessoa de sexo, abandoná-la, pode se dedicar exageradamente a um outro membro da família, etc.
A pessoa frustrada, carente de afeto e de valorização, pode ter razão em se sentir magoada e ferida porque pode ter sido privada de atitudes que gerariam autovalor. E autovalorização é uma necessidade humana básica. Quando há perturbação da formação dela por causa do desamor anterior, o indivíduo pode recorrer a métodos não construtivos para a formação da necessária autovalorização. Pode buscar a coisa positiva de maneira negativa, destrutiva.
A Bíblia fala de um “eu” carnal e de um “eu” espiritual. O “eu” carnal também experimenta amor. Só que ele é unido à vaidade. E a vaidade se exalta na tentativa de construir um autovalor machucado e machucador. Mas o amor “carnal”, que precisa da vaidade para construir o autovalor (coisa positiva), busca este autovalor de maneira errada, porque no amor verdadeiro (vivido pelo “eu” espiritual) não existe a busca dos próprios interesses de maneira inconveniente, não produz injustiça, não machuca ninguém. “O amor [maduro] é paciente e bondoso. Não é ciumento, nem orgulhoso, nem vaidoso. Não é grosseiro, nem egoísta. Não se irrita, nem fica magoado. Não se alegra quando alguém faz alguma coisa errada, mas se alegra quando alguém faz o que é certo. Nunca desanima, porém suporta tudo com fé, esperança e paciência” (adaptado de A Bíblia na Linguagem de Hoje).
O tipo de amor que gera autovalor só tem bons resultados no caminho da verdade, porque senão a sensação de autovalor pode até vir com a prática do erro, mas junto vem a culpa. E para tentar apagar esta culpa a pessoa pode atacar o outro, aquele que o feriu, ficando cega para seus próprios erros e maneiras equivocadas de buscar autovalorização.
Se a pessoa está num caminho errado, que sua consciência condena, ela terá culpa inevitavelmente. Culpa real. Pode se sentir péssima consigo e passar a não só punir o outro que a frustrou, como pode – veja só! – punir a si própria. Como? Com a depressão.
A depressão pode ser, portanto, uma forma da pessoa manifestar uma autopunição (resultado da culpa real) por ter buscado métodos errados de punir aquele que o frustrou. Ela pode ficar nisso o tempo todo, num círculo vicioso, assim: se sente frustrada busca valorização e afeto de maneira errada surge a culpa tenta racionalizar essa culpa punindo quem a frustrou sente-se culpada mais ainda (principalmente se a pessoa já pediu perdão e procura amar agora sinceramente) surgem sintomas depressivos. Volta a buscar valorização e bem-estar da maneira errada surge a culpa racionaliza essa culpa atacando ou desprezando quem a frustrou vem mais culpa deprime-se, etc.
Será a solução usar remédios para abafar a culpa e a dor? Como cortar este círculo vicioso negativo, destrutivo? Primeiro, a pessoa frustrada precisa cortar o método errado (indiferença, infidelidade, agressividade) que está usando para obter o certo (autovalor, afeto). Segundo, perdoar a pessoa que a frustrou e aceitar o perdão solicitado. Terceiro, perdoar a si mesma por seus próprios erros. Quarto, colaborar para a restauração de um relacionamento afetivo maduro, dentro de uma nova visão do amor e do amar. Quinto, aprender a lidar com a dor da perda (do passado infantil e do presente), suportando-a, sem fugir para meios destrutivos, acreditando e dando tempo para ver que esta dor irá diminuir e até desaparecer justamente na medida que for enfrentada com a verdade, a lealdade, a paciência, a compreensão, o perdão (por si e pelo outro), e o desejo que pode surgir na alma de amar melhor. A depressão tem cura. E o que cura é a verdade e o amor maduro.
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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