Colunas
Dependência química: que droga!
Nossa sociedade está drogada e compulsiva. Várias coisas podem ser usadas como droga: comida, álcool, sexo, trabalho, tabaco, maconha, cocaína, crack, tranquilizantes, fórmulas para emagrecer, religião e até uma pessoa (dependência afetiva). O que gera dependência ou fissura, é o que você usa para cobrir o vazio interior. É o que promete bem-estar ou ausência de angústia e parece aliviar você de um desconforto interior emocional.
Cerca de 15% da população nasce com predisposição genética para desenvolver dependência química (DQ). O diagnóstico de DQ requer: 1)Forte desejo ou compulsão para consumir a(s) substância(s). Desejo persistente de usá-la(s) e um não vitorioso esforço para parar de consumi-la(s). 2)Dificuldade em controlar o uso da(s) substância(s) no início, no término e também os níveis de consumo. 3)Síndrome de abstinência se não usar a droga, ou a necessidade de usá-la para cortar o mal-estar. 4) Há ‘tolerância’, que é a necessidade de doses maiores da(s) substância(s) para atingir o mesmo efeito. 5)Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos, causando uma fixação obsessiva no consumo da(s) droga(s). 6)Persistência do uso da substância a despeito da clara evidência de consequências negativas sobre a vida geral (alteração no comportamento, problemas estudantis como repetição de ano, envolvimento com a polícia, agressões físicas de familiares, acidentes de trânsito, etc.).
Professor da UFRJ, Eustáquio Portela Nunes, médico psiquiatra e psicanalista, disse: “O dependente químico se droga porque não pode ser Deus.” Como? Pela dificuldade de aceitar o que é como pessoa, de aceitar a realidade como ela é, de aceitar como sua família funciona. Como não pode ser Deus, não pode tudo, tem que viver frustrações e dores, e aí é aonde está o problema: sua limitação em lidar com a dor emocional ‘limpo’.
A DQ é a doença da negação. O dependente químico inicialmente nega que tem problemas ou dificuldades, nega que está sofrendo e que precisa de ajuda. Mente, atua desonestamente, nega-se a receber ajuda. Culpa os outros, tipo: “Me drogo porque meus pais não me entendem!”, “Uso drogas porque minha mulher me rejeita!”, “Bebo porque estou desempregado!” Dificilmente diz: “Estou viciado, perdi o autocontrole!”
Ele(a) cria histórias espetaculares para explicar porque usa drogas. Cria enredos os mais diversificados, sempre procurando racionalizar o uso da droga. Falta humildade para assumir sua falência moral, emocional e física ao estar envolvido até o ‘pescoço’ com a(s) droga(s). Tem dificuldade para ser humilde para assumir que sozinho não pode vencer.
Há solução? Sim. Difícil, mas há para os que se submetem ao tratamento com humildade, submissão, verdade, honestidade. A Associação Psiquiátrica Americana (APA), no comitê de estudos sobre a DQ, baixou normas aos seus membros, dizendo que o tratamento do alcoolismo de outras DQs deve ser, independente da atuação psiquiátrica, complementado com a indicação aos pacientes para a frequência aos grupos de AA – Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA).
O primeiro passo para o caminho da cura da DQ é pedir ajuda. Há em muitas cidades grupos de AA e de NA que podem ser um primeiro passo gratuito para a obtenção da libertação da droga. Dr. George Vaillant, psiquiatra de Harvard, autoridade mundial em alcoolismo, disse que 40% das recuperações do alcoolismo no mundo se devem aos Alcoólicos Anônimos, se bem que a recuperação pode também ser obtida por outras abordagens. O fundamental é: o viciado quer ajuda para parar com a droga? Se ele não quer, nada dá jeito. Se ele quer, a abstinência é possível e ele pode aprender a lidar com a dor emocional com sobriedade, e sentir-se bem estando ‘limpo’.
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário