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Corrupção, impunidade…não aguentamos mais! Ou aguentamos?
O Jornal do Conselho Federal de Medicina, Nov/97, p.12, publicou uma matéria do médico Renzo Sansoni, que compartilho aqui. O título é: Eu, o Brasil e uma Tragédia. Leia:
“Recebi, em meu consultório, um jovem de 30 anos trazido pela esposa numa cadeira de rodas. Já o tinha visto em outra época, há dois meses, numa sala de cirurgia, quando fui chamado a realizar, nele, uma reconstrução de pálpebra superior. Este jovem homem estava sob anestesia geral, com o neurocirurgião abrindo sua cabeça na busca de um projétil de arma de fogo: um estrago enorme e apavorante. Sua história? Motorista de carro-forte, transportava dinheiro. Maldito e bendito dinheiro. O carro foi assaltado por ladrões sanguinários e cruéis. No lance, dois ou três tiros atingiram-no nos braços, no olho e na cabeça. Balas que mudaram a vida para sempre, e para bem pior. E os bandidos foram embora, deixando para trás uma pesada e intransferível dívida espiritual. Mas isto não é o relevante no momento. O urgente e o inadiável estavam ali, naquele ambiente cirúrgico. Do lado de fora, aguardando, a esposa, os pais e parentes, reunidos pelo sofrimento, angústia e revolta.
Não existe situação humana mais desoladora do que ver alguém com a cabeça aberta e sangrante, olho perfurado e vazando, caminhando para a morte ou invalidez. Nesse momento, como médico e cidadão, desejei que ali estivessem, naquela sala de cirurgia, para pleno testemunho de uma enorme desgraça individual (e coletiva), o nosso Presidente da República, ministros de Estado, senadores e deputados, todas as autoridades do Poder Judiciário, toda a imprensa e todas as lideranças desta nação. Porque ali estava o Brasil nu e cru, o Brasil do cotidiano, O Brasil da insensatez, o Brasil da insegurança, o Brasil do Terceiro Mundo, o Brasil nojento, o Brasil que precisa mudar e mudar radicalmente. E o Brasil estava deitado ali, naquele berço cirúrgico, nada esplêndido, impotente, entubado, inerte, com seu destino entregue às mãos alheias, com a morte e a paralisia impacientes para entrar em cena. Horas de suplício e de meditação para nós, médicos. E que poderiam ser as melhores horas para que os dirigentes deste Brasil fossem envolvidos e invadidos pelo senso de responsabilidade plena com os valores essenciais da dignidade humana. Saúde, educação e segurança. Naquele momento, naquela situação e naquela tragédia, aquele homem, aquele funcionário, aquele brasileiro, aquele ser humano, aquele paciente era o Brasil encarnado, palpável e neoliberal. Passavam por ele toda a fragilidade nacional: saúde, educação e segurança. Desejei muito que as referidas autoridades acompanhassem todo o processo enfrentado por aquele Brasil/homem/funcionário, desde o momento da catástrofe, seu encaminhamento para o hospital, a notícia para os familiares, as dificuldades cirúrgicas, os vários dias na UTI, a luta entre a morte e a paralisia, o definhamento do corpo físico, a angústia do espírito, a alta hospitalar, a chegada em casa no lar muito pobre, a duríssima realidade da cadeira de rodas, a impotência sexual, a impotência financeira, o choro da mulher e dos filhos, a consciência de uma invalidez para sempre. Oh, Deus! Onde estás que os homens de Brasília não Te acham e nem Te procuram?
A esposa, ao término do exame, pede ajuda ao segurança do hospital para levar o marido até o táxi, sabendo da cegueira e paralisia definitivas. De minha parte, a desilusão de mais uma tragédia caminhando para o anonimato; enquanto precatórios, roubalheiras e alicantinas políticas comovem mais a opinião pública no país das chuteiras e da cachaça. O salário da vítima era de 350,00 por mês; de agora em diante, sob a guarda que restou da Previdência, dependendo de perícias e burocracia, o soldo será de 120,00 mensais. A firma arruma outro motorista, a vida continua, os companheiros se afastam e está tudo dentro da normalidade tupiniquim. O leitor chorou, certo? Mas o que resolve mesmo, para salvar o Brasil, é destruir, para sempre, a corrupção e a impunidade.”
Sim, destruir para sempre. A mídia poderosa, os poderes públicos, empresários, estão todos interligados em assuntos de interesse comum para beneficio próprio. Só a eles. As aparentes oposições são uma farsa. Por detrás dos bastidores eles se unem. Não se iluda. Não creia em nenhum político que se candidata agora e que vem com aquelas velhas promessas irrealistas. O caráter do ser humano está profundamente deturpado e só com a cura dele é que as coisas poderiam mudar. Não com novo partido ou novo candidato. Sem mudança da estrutura do caráter, não há saída. Será que já entendemos isto como um povo?
Fritjof Capra, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, em seu belíssimo livro O Ponto de Mutação, diz que deveríamos urgentemente partir para uma vida mais simples, alimentação natural, vida no campo, menos competição, honestidade nos relacionamentos, etc. Diz que estamos no limiar de uma mudança de ordem planetária, para melhor ou para pior, e que parece muito difícil ser para melhor, infelizmente.
Esta análise social claro que não é triunfalista e isto não significa ser pessimista, mas sim realista. É nos dito que “nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos. Porque haverá homens [e mulheres] amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. 2 Timóteo 3:1-5. E Paulo conclui dizendo: ”Destes, afasta-te.”
Solução? Só com a mudança profunda do caráter do indivíduo. Estamos diante de uma crise de caráter de dimensões globais. Não há saída humana.

Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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