Ciúmes e o inconsciente

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Alguém com ciúme exagerado disse: “Tem ocorrido comigo crises de choro incompreensíveis. De repente me dá vontade de chorar compulsivamente! Não entendo o porque! Por que isso? Também percebo que, apesar de admirar a liberdade entre duas pessoas adultas, sinto muito ciúme de meu noivo mesmo sem ele dar grandes motivos para isto. Outro dia ele brincou com uma colega e fiquei furiosa, achando que ao ele sair de casa para ir trabalhar iria certamente procurar por ela. Por um lado acho isto absurdo, mas me perturba demais. Por quê?”

Há uma parte de nossa mente chamada "inconsciente" onde estão armazenados sentimentos, imagens, fatos, pensamentos, que ocorreram durante os anos anteriores de nossa vida, coisas positivas e negativas, agradáveis e desagradáveis, tristes e alegres. Só que não nos lembramos de tudo o que está ali armazenado. Vez ou outra, no dia a dia, algo do inconsciente aparece num sonho, através de um comportamento "esquisito" que você tem sem saber por que, ou num sentimento "estranho" sem pé nem cabeça que surge em certo momento da vida, ou ainda por uma palavra que você usou mas queria usar outra. Tudo está gravado na memória inconsciente e é de lá que eles vêm.

As coisas positivas e negativas que ficaram gravadas em sua mente, brincadeiras alegres com seus pais e coleguinhas na sua meninice, as perdas afetivas na sua infância e juventude, os momentos em que esperava afeto, aprovação, atenção, apoio, orientação e que não houve ou não ocorreu como você desejava e esperava, passeios agradáveis, tudo ficou vivo e arquivado no inconsciente. E influencia o presente.A frustração, o desejo não satisfeito, a dor da perda, o choro engolido, a raiva contida, o medo disfarçado, etc. Frutos de sofrimentos do passado, carências afetivas, podem vir à tona algum dia, provocado não se sabendo sempre o por que (talvez despertados por um filme, datas importantes como o Natal, uma história que você ouviu, uma fotografia, etc.), e fazer você chorar aparentemente sem razão, sem motivo aparente, consciente. Mas existe o motivo, só que ele está inconsciente.

 Nossa mente não libera lembranças quando queremos, mas quando podemos. Ela libera para a consciência quando estamos aptos para lidar com a dor que a lembrança desperta. Talvez muitos que tiveram sofrimentos muito difíceis no passado remoto ou não tão remoto, “dizem” sem palavras, para si mesmos que não querem pensar no assunto, e o cérebro “obedece”, então a memória apaga a informação. Isto pode contribuir para a doença de Alzheimer precoce. Até certo ponto nos tornamos aquilo que nos causa menos dor. Então, inconsciente não é somente um espaço virtual na mente, é também a qualidade de você ser (existir).

Daí, podemos dizer que uma pessoa é mais, ou menos inconsciente. Ela está mais ou menos conectada com ela mesma. Ela se conhece mais, ou menos. Tudo dependendo da capacidade de lidar com as dores, as verdades, os medos, as tristezas, as angústias geradas por variadas situações da vida, mesmo desde o ventre materno.

Ter muito ciúme pode ser uma forma de manifestar insegurança pessoal e um forte desejo de ser amada com exclusividade. Pode significar o medo de ficar só, medo de não ter todo o afeto que pensa que precisa. Autores falam que o ciúme tem que ver com o medo da perda. Perda de quê? Da pessoa ou do que ela representa emocionalmente para você? Ou de ambos? Será que ciúme tem relação com apego excessivo à uma pessoa? Tem que ver com você colocar o centro de seu bem estar, serenidade, segurança, senso de valor próprio em outra pessoa? Ou se relaciona com um desejo meio (ou muito) obsessivo pelo outro de quem se sente ciúme, como se este outro tivesse que ser propriedade exclusiva sua?

Para solucionar o ciúme excessivo, é preciso acreditar no afeto existente (no relato da moça, que o rapaz realmente tem por ela) e parar de se preocupar com perdas e com algo idealizado, confiando que os ganhos são reais, eles existem, o rapaz gosta dela, outras pessoas também gostam, e ela pode gostar mais de si mesma a ponto de não esperar demais dos outros para ter uma recompensa afetiva.

Se você tenta prender a pessoa a si mesma pelo ciúme, isto conduz ao controle, cria tensão no relacionamento e piora tudo, porque certamente você sufocará o indivíduo com seu ciúme e, pense bem, ninguém controla ninguém. O amor da pessoa por você não depende do quanto você a controla. Depende do que ela pode sentir e fazer por você. E isto é com ela.

Ciúme exagerado é posse e posse é abuso. Geralmente leva à agressividade e até violência. Um ciumento sente que é dono de alguém. Quer o outro como seu escravo. Mas o amor é contrário à escravidão. Lute para ser dona de si mesma, de suas emoções, aprendendo a controlá-las para sua saúde ao invés de se deixar levar por elas, gerando, por exemplo, ciúme exagerado. Saúde mental tem que ver com ter as emoções, sem deixar que as emoções tenham você. O amor maduro não é ciumento.

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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