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Automutilação, estresse emocional e imaturidade psíquica
Parece uma epidemia. Jovens se automutilando. Automutilação é um comportamento em que o indivíduo agride a si mesmo, sem necessariamente desejar o suicídio. A ideia do automutilador é que se ferindo consegue aliviar alguma dor emocional que ainda não sabe como resolver maduramente, construtivamente. É como uma troca entre a dor emocional e a dor física. Por que alguém decide machucar seu próprio corpo?
Cerca de 88% dos que se automutilam são do sexo feminino, e a média de idade é de 16 anos. Também em média esta atitude disfuncional começa aos 11 anos, e 60% dos casos há um diagnóstico de transtorno do humor e 90% escolhem se cortar ou se arranhar.
Alguns automutiladores possuem uma alteração de caráter chamada Transtorno de Personalidade Borderline. Mas nem todos que se automutilam são borderlines. A palavra “borderline” significa “fronteira”, “limite”. Pessoas com características borderline apresentam um comportamento fronteiriço ou no limite entre a normalidade e a loucura.
Muitos jovens praticam a automutilação ao estar vivendo sob forte pressão psicológica, possuem sentimentos de auto-depreciação e têm dificuldade de expressar verbalmente o que sentem. Em cima disso, eles têm uma imaturidade do ego, uma fragilidade psicológica que facilita esta atitude doentia.
Geralmente se ferem dando socos em si mesmos, se cortando com gilete, faca, vidro, ou outro objeto cortante, dão chicotadas em si, mordem uma parte do corpo, batem a cabeça na parede, usam agulhas para furar a pele, entre outras formas de se mutilar. A forma mais comum de automutilação é fazer cortes nas pernas, coxas, barriga, braços e pulsos.
Dentre os motivos que levam pessoas a se automutilarem estão: punir a si mesmas; diminuir a ansiedade, frustração, raiva, tristeza; tentativa de mostrar o quanto aguentam uma dor física; falta de autocontrole emocional; fugir da sensação dolorida de vazio; querer se vingar de alguém e gerar culpa no outro; evitar o suicídio.
Automutilação e suicídio são manifestações de problemas com o eu, ou self, ou ego. Neles existem significados inconscientes. São mensagens vindas de pensamentos, sentimentos e fantasias reprimidas que não podem ser conscientizadas ou colocadas em palavras. Os traumas psicológicos vividos na infância por causa de abusos ou negligência do corpo da criança causadas pelos pais ficam impedidos de virem à consciência e assim permanecem presos no corpo.
Assim, autores comentam que na automutilação o corpo se torna o meio de comunicação dos conflitos da pessoa com ela mesma e com outros. Quando uma pessoa se corta, é como se ela quisesse expurgar o que é sentido como mau e se livrar de pensamentos e sentimentos insuportáveis. Automutilação é um ataque sobre o eu (self) feito no corpo, e este eu inconscientemente é identificado como alguém que a pessoa odiava ou perdeu.
Apesar de que numa maioria de pessoas que se mutilam a função desta autoagressão é provocar uma dor física para aliviar a dor emocional, tempos atrás atendi uma jovem moça que me dizia que se automutilava porque se sentia um nada. Ela havia sido desprezada pelo pai que se separou da mãe e não a procurava como filha, e a mãe havia ido trabalhar e estudar longe, deixando-a com uma avó que era grosseira com ela. Ela se sentiu desprezada. Se sentiu não ser uma pessoa. E quando se cortava e sentia a dor, era como se dissesse para si mesma: “Eu sou alguém! Eu sou esta pessoa que sente esta dor!”
A automutilação pode causar complicações como infecções, cicatrizes, lesões permanentes, e morte. O tratamento envolve psicoterapia para a pessoa poder desabafar, ser acolhida, entender os traumas que viveu e o que tem feito com eles, aprender a lidar com suas emoções dolorosas de forma consciente e auto-protetora. No tratamento às vezes é preciso tomar alguma medicação temporária prescrita pelo médico psiquiatra para reduzir a ansiedade excessiva, a alteração do humor ou outro sintoma complicado.
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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