Aceitar o passado para viver melhor o presente

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

"... é importante lembrar que o passado já terminou. Somos impotentes sobre o que aconteceu antes.” Coragem para mudar no Al-Anon II, p.99.


Algumas histórias, pode ser a sua ou a de algum conhecido seu, podem ter sido cheias de confusão, dor, tristeza por causa de famílias desestruturadas, vulnerabilidade forte da pessoa, pobreza, alcoolismo, divórcio, mortes precoces de familiares, etc. Não é fácil apagar as marcas doloridas do passado. Até porque, quem sabe, algumas delas nem as conhecemos bem porque nunca as deixamos vir à tona da nossa consciência. Isto porque mecanismos de defesa da dor emocional vão filtrando o que virá ao nosso conhecimento. Se for doer demais e ainda não estivermos preparados para lidar com este tipo de lembrança e dor, o mecanismo "diz”: "Vamos esperar para que ele/ela esteja pronta para lidar com isto. Daí mostraremos a verdade.”

Não estamos preparados para ver tudo sobre nós mesmos. Não podemos ver tudo. Não tem como acelerar isto. A gente muda quando a gente pode, o que é diferente de mudar quando a gente quer. Ver tudo assustaria muito. E poderia causar desestruturação mental em algumas pessoas.

Interessante que na Bíblia há um texto no qual Deus está dizendo para a pessoa que O busca que Ele está disposto a mudar o coração dela, tirando o coração de pedra e colocando um coração de carne. Ter um coração de pedra é ser uma pessoa dura, fria, cruel, egoísta, mentirosa. Ter um coração de carne é ser feita uma pessoa amorosa, serena, compassiva, honesta. Mas o texto revela que, no processo de mudança do coração de pedra para o de carne, a pessoa inevitavelmente experimentará momentos de nojo dela mesma. (Ezequiel 36) Por quê? Justamente pela visão que surge de si mesma, das "neuras”, das atitudes vergonhosas cometidas até aquele momento da vida, dos pensamentos maus nutridos secretamente, das motivações mesquinhas cultivadas há anos. 

Assim, no processo de mudança, de amadurecimento, de crescimento pessoal há dor também. E o melhor a fazer ao perceber suas contaminações e maldades internas é pedir perdão a quem você machucou, fazer reparações, perdoar a si mesmo e aceitar sua impotência pelo passado.

É importante dar uma olhada no nosso passado para ver onde e como cometemos erros para evitar repeti-los no presente. Mas é importante aceitar o que houve em vez de ficar martirizando você mesmo ou culpando as pessoas o tempo todo.

Quando recebemos a chance de ver nossos erros do passado com um olhar verdadeiro, ou seja, ver a verdade sobre nós mesmos, isto significa que agora estamos melhor do que antes porque agora podemos ver. 

Mas ver é só um primeiro passo para a mudança e para o enfrentamento da dor, a fim de que ela vá embora. O que faremos com o que vemos é ainda mais importante. Você pode arranjar desculpas para seus erros e ficar culpando os outros ou as circunstâncias, e fugir da verdade. Isto é autoengano. Ou pode olhar a verdade sobre si mesmo de frente, com humildade, e tomar a decisão de não mais cometer os mesmos erros. Isto é sabedoria.

Então, seja gentil com você mesmo. Não tenha medo da dor. Quando você a tiver experimentado o suficiente, ela irá embora. Trate bem a si mesmo. Seja amigo seu. Pare de pegar pesado consigo. Faça algum esforço para realizar algumas tarefas no dia a dia sem esperar pelo sentimento agradável. Tem coisas que não podem ser feitas amanhã, porque tem que ser hoje. Comece por estas. Uma de cada vez. O sentimento agradável poderá vir só depois. O que é bom passa. Mas o que é ruim passa também.


TAGS:
César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.