A neurose é um exagero

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

É comum ouvirmos piadas sobre pessoas com algum comportamento "diferente” e que são tidas como "neuróticas”. Mas o que é neurose? Todo mundo é neurótico? 

Neurose é um sofrimento mental que não prejudica o pensamento racional e a funcionalidade da pessoa, não a tira da realidade, não perturba demais o indivíduo no sentido de ele ficar alienado, confuso, desorientado, alucinando ou delirando.

Neurose tem origem psicológica e não orgânica (não é fruto de uma lesão cerebral, apesar de que a bioquímica cerebral fica afetada, ou talvez exista a propensão genética para a doença). Se origina em conflitos na vida que para a pessoa foi difícil enfrentar, não conseguindo achar melhor solução para seu comportamento e vivência emocional interior. Geralmente as neuroses estão ligadas a traumas (conflitos) inconscientes. Por que inconscientes? Porque quando a pessoa viveu (geralmente na infância) os conflitos, era tão doloroso para ela que sua mente jogou a dor para debaixo do tapete da consciência, justamente para não sentir a dor original. 

Porém, as dores originais precisam ser conscientizadas, expressadas, verbalizadas para poderem ser resolvidas. Mas para a pessoa neurótica, o que fica na consciência pode ser só a queixa, o sintoma, e não a causa dele, porque a causa pode ter sido muito sofrida e a pessoa decidiu, de maneira meio automática, esconder de si mesma o que a machucou. 

Neurose é, portanto, defesa da dor, do sofrimento emocional difícil para se lidar com ele num nível consciente. É um exagero, porque o conflito original produziu na pessoa uma resposta comportamental com muita defesa, ou seja, ela teve que encolher seu jeito de ser para ficar na realidade, sem surtar, sem ter crise psicótica. Crise psicótica é quando a pessoa sai da realidade, tem alucinações (auditivas, etc. Exemplo: "Tem uma pessoa dentro de mim me dizendo para agredir a todos!”), tem delírios (de grandeza, de perseguição, místicos, etc. Exemplo: "As pessoas na rua estão me perseguindo!”), tem às vezes agitação, desorientação no tempo e no espaço, confusão sobre sua identidade, etc.

Na neurose não há delírio, nem alucinação, nem agitação psicomotora, não há confusão de identidade, além de outros sintomas psicóticos. Mas há uma redução da capacidade da pessoa ser ela mesma. Assim como quando somos ameaçados por uma pessoa que quer atirar uma pedra e a gente protege o rosto, inclina o corpo, para reduzir a área física que pode ser machucada, na neurose a pessoa, inconscientemente, reduz uma área da mente para se proteger do que para ela é ameaçador, intolerável, dolorido demais. Ela fecha uma parte do ser (existir) para preservar a outra parte e ficar na realidade possível.

O exagero está em que o que ocorreu (conflito original) poderia não ter afetado tanto aquela pessoa se ela tivesse conseguido lidar com a situação de maneira melhor, que talvez um irmão, ou irmã, filhos do mesmo pai e mãe e habitando no mesmo lar tenha conseguido. Também, na verdade, o que produz neurose não é um único trauma, mas uma sequência de sofrimentos emocionais geralmente ligados a uma qualidade ruim de funcionamento afetivo na família ao longo dos anos.

Exemplo: um filho perdeu a mãe pela morte quando ele tinha 8 anos de idade, e como ele era apegado demais a ela, a falta da mãe ficou quase insuportável para ele. Para lidar com a dor imensa, ele pode ter reprimido a necessidade de afeto (atenção, carinho, elogios, toques físicos de amor, etc.). A mente inconsciente dele pode ter refletido assim: "Se eu deixar meus desejos de afeto abertos, expostos, vou sofrer porque a pessoa que eu mais amava morreu quando eu mais precisava dela, e fiquei privado deste amor”. O exagero é que esta criança pode crescer com um encolhimento afetivo, e pode se tornar uma pessoa fria, por medo de ficar aberto afetivamente e sofrer de novo por não ter carinho como tinha da mãe. O exagero "diz” que ninguém mais lhe dará o que ele precisa. O que não é verdade, pois a verdade é que uma fonte se foi — a mãe —, mas a vida pode providenciar outras, além do fato de que ele pode aprender a lidar com a falta. 

O mesmo trauma (no exemplo acima, a morte da mãe) pode produzir respostas diferentes em pessoas diferentes, da mesma família até. Este menino ou um irmão ou irmã dele, diante da morte precoce da mãe, pode se tornar um adulto racional demais, ou um adulto muito carente, pode se revoltar contra a vida, ou pode se adaptar razoavelmente bem apesar da perda.

A neurose se manifesta de formas diferentes, por crises de ansiedade, fobias, "manias” (TOC), depressão, somatizações, atitudes agressivas, dependência química, alcoolismo, codependência, compulsões para o trabalho, comida, sexo, repressão de desejos, apego exagerado ao dinheiro e medo excessivo de perder tudo, etc.

A resolução das neuroses é um processo no qual a pessoa vai tomando consciência da sua dor original, vai entendendo como foi construindo uma defesa que na época foi o melhor que ela pôde fazer, mas que agora entende que é uma defesa exagerada e que não mais precisa usá-la. E passo a passo vai caminhando para desmontar estas defesas que em vez de proteger, como no passado, agora prendem e atrapalham o viver mais livre. Isto se processa pela psicoterapia (tratamento psicológico) ou por outro processo de cura interior que pode ocorrer na vida de qualquer um de nós. A vida é terapêutica.

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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